Correio braziliense, n. 20842 , 15/06/2020. Cidades, p.13

 

Pandemia com prisão, ameaças e fogos no STF

Ana Maria Campos

Darcianne Diogo

Marcelo Agner

15/06/2020

 

 

SEGURANÇA » Militante anticomunista é preso por promover ato contra ministros do Supremo e o governador Ibaneis Rocha. À frente do comando da PM, oficial foi responsabilizado por não conter bolsonaristas na Praça dos Três Poderes.  

O fim de semana foi de desrespeito ao distanciamento social, à democracia e às instituições brasileiras. Manifestantes que se dizem bolsonaristas e anti-comunistas fizeram um ato contra o Supremo Tribunal Federal (STF) e o governador Ibaneis Rocha (MDB). Um dos envolvidos acabou sendo preso pela Polícia Civil do DF.

Após assinar um termo circunstanciado de ocorrência e prestar depoimento, Renan Silva Sena, de 57 anos, deixou a Delegacia Especial de Repressão aos Crimes Cibernéticos. Policiais civis o prenderam na tarde de ontem, depois de o identificarem como o ativista que aparece em vídeos distribuídos nas redes sociais xingando o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), e proferindo ataques contra o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso Nacional.

O bolsonarista é o mesmo que, em maio, hostilizou e agrediu verbalmente enfermeiras que participavam de em um protesto pacífico e silencioso na Praça dos Três Poderes em homenagem aos profissionais de saúde que se arriscam no trabalho para salvar vidas de pacientes com covid-19.

O homem também é acusado de participar do ato em que manifestantes lançaram fogos de artifício em direção ao STF na noite de sábado.

A equipe do Correio flagrou o momento em que agentes da Polícia Civil chegaram em uma viatura descaracterizada e detiveram Renan, no Setor de Indústrias Gráficas (SIG). O suspeito estava acompanhado de um grupo de bolsonaristas. No vídeo, o restante dos membros do movimento tenta impedir a ação da polícia. Um deles segurou a porta dianteira do veículo e foi arrastado.

Segundo a Polícia Civil, Renan responderá pelos crimes de calúnia, injúria e difamação. “O acusado, um homem de 57 anos, fez gravação provável na data de hoje (ontem) e realizado na Praça dos Três Poderes nesta capital Federal. O vídeo possui proferimento de injúria contra o governador do DF, além de proferir contra as instituições da República Federativa do Brasil (STF e o Congresso Nacional)”, diz a ocorrência.             

Os policiais que realizaram a abordagem relataram, ainda, que uma mulher que conduzia o veículo em que Renan estava resistiu a uma ordem de parada e seguiu a viatura, inclusive “conduzindo na contramão e expondo outros condutores a risco”. Ao chegar no Complexo da Polícia Civil, a motorista se negou a sair do automóvel, acelerou e bateu contra uma viatura. “Ela insistia em não obedecer aos comandos, não colocando as mãos no volante, nem desligando o carro. Se recusou a sair do veículo, estava exaltada, resistiu fisicamente à abordagem sendo necessária a utilização de spray de pimenta por cautela da integridade física dela e dos policiais”, acrescenta o documento.

Defesa

Em conversa com os advogados, o manifestante negou ter ameaçado o chefe do Executivo local. O Correio obteve acesso com exclusividade ao vídeo que mostra Renan negando os crimes.

Segundo ele, militares o informaram sobre o tempo em que ele precisaria sair da Praça dos Três Poderes com o grupo — na noite de sábado, Ibaneis decretou o fechamento da Esplanada da meia-noite até as 23h59 ontem. O governador citou “ameaças declaradas por alguns manifestantes” e a “demanda urgente” de “contenção de riscos, danos e agravos à saúde pública”.

Segundo Renan, os policiais disseram que iriam fazer a retirada forçada do grupo e que usariam gás de pimenta e lacrimogêneo e toda força necessária para cumprir essa ordem. “Eles não me mostraram nenhum documento, apenas disseram que o governador havia decretado uma ordem expressa de fazer a retirada à força”, afirmou Renan.            

Após receber a ordem policial, o ativista gravou um vídeo em que ataca o chefe do Executivo local, o STF e o Congresso. “Falei que eu entendia que é um governador bandido, que estamos em uma ditadura comunista, mas isso eu já venho batendo”, disse.

Questionado sobre a suposta ameaça às autoridades, Renan negou e disse que “nunca fez isso”. Afirmou, ainda, que sempre se manifesta sozinho há dois anos, mas que, agora, “motivado por uma indignação” se reuniu ao grupo.

Ataques e exoneração

Na noite de sábado, integrantes do movimento “300 do Brasil” apontaram fogos de artifício para o STF e gravaram vídeos para distribuir nas redes sociais com ataques aos ministros e ao governador Ibaneis. O ato foi uma reação à ação da PMDF, escalada pelo DF Legal, órgão do GDF encarregado de desmontar o acampamento na Esplanada. Nos vídeos, um ativista diz: “(Estamos) em frente aos bandidos do STF. Isso é para mostrar para eles e para o bandido do GDF: não vamos arregar”.               

Um dos integrantes do movimento pró-Bolsonaro afirma, referindo-se aos fogos apontados para o Supremo: “É o povo, seus comunistas, seus bandidos… Está entendendo o recado?”. Em outras filmagens que circularam nas redes, os protestantes xingam os ministros Dias Toffoli, Carmen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes. Em nota, Toffoli afirmou: “O Supremo jamais se sujeitará, como não se sujeitou em toda a sua história, a nenhum tipo de ameaça, seja velada, indireta ou direta e continuará cumprindo a sua missão”.          

A Secretaria de Segurança Pública do DF informou que a Polícia Civil vai instaurar um inquérito para apurar os responsáveis pelo ato antidemocrático.

O governador Ibaneis Rocha (MDB) reagiu à situação, ainda no sábado, e disse que não aceitará ameaças. “Sempre respeitei todo tipo de manifestações no meu governo, mesmo quando houve algum tipo de irregularidade, como o desrespeito à determinação do uso de máscaras ou distanciamento social. Nunca reprimi. Mas não admito ameaças”, afirmou ao Correio. Ibaneis acrescentou: “Esse tipo de conduta não será tolerada. Quem agir assim será preso. Vou pedir a prisão de todos que agirem com truculência”.

No entanto, a ação de remoção de manifestantes bolsonaristas na Esplanada e a omissão diante dos fogos de artifício dirigidos ao STF acabaram resultando em uma crise na PMDF. O emebedista decidiu exonerar o subcomandante-geral da PM, Coronel Sérgio Luiz Ferreira de Souza, responsável pelo comando geral no fim de semana em que ocorreram os manifestos.

Para Ibaneis, houve erros na condução da ação ao permitir um desrespeito ao STF. O próprio Toffoli telefonou para Ibaneis na manhã de ontem irritado com a audácia dos manifestantes em plena Praça dos Três Poderes.

Chamou a atenção de integrantes do governo e de Ibaneis a omissão da PM neste caso, ao não impedir os fogos.