Valor econômico, v.21, n.5008, 26/05/2020. Política, p. A6

 

Parlamentares reagem a possível interferência na PGR

Marcelo Ribeiro

Matheus Shuch

Isadora Peron

Murillo Camarotto 

Vandson Lima

Renan Truffi

26/05/2020

 

 

Parlamentares de partidos da oposição e de centro, entre eles integrantes da cúpula do Congresso, reagiram ontem ao que consideraram uma tentativa do presidente Jair Bolsonaro de pressionar a Procuradoria-Geral da República (PGR) a ajudar a acelerar o arquivamento do pedido de requisição do seu celular no âmbito das investigações de suposta interferência política na Polícia Federal (PF).

A defesa das instituições também foi tema na posse na presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF). Ele fez uma defesa enfática da democracia, depois que o ministro da Educação, Abraham Weintraub, defendeu a prisão de ministros da Corte. Por unanimidade, o Senado convocou Weintraub para explicar suas declarações.

A reação ocorre três dias depois de ser divulgado o vídeo da reunião ministerial do dia 22 de abril, que culminou na demissão de Sergio Moro do Ministério da Justiça. Segundo o ex-ministro, o vídeo comprovaria sua versão de que o presidente buscava interferir na autonomia da PF e ter acesso a relatórios de inteligência.

Por ordem do Supremo, agentes da Polícia Federal recolheram ontem do Palácio do Planalto a câmera usada para registrar a reunião, numa diligência que, segundo fontes, estava prevista desde a semana passada. É uma eventual perícia no celular do presidente, porém, que tem gerado atrito entre os Poderes e acabou expondo o que parlamentares consideraram uma atitude indevida de Bolsonaro em relação a Aras.

Depois de participar por videoconferência da posse no cargo de procurador federal dos Direitos do Cidadão do subprocurador-geral da República, Carlos Alberto Vilhena, Bolsonaro se convidou para ir cumprimentá-lo pessoalmente na sede da PGR e aproveitou para se reunir com Aras fora da agenda oficial.

No Congresso, o movimento foi considerado um passo em falso e aumentou a desconfiança de que o presidente tenta influenciar a condução do processo. Aras irá se pronunciar, a pedido do ministro do STF Celso de Mello, a respeito de eventual diligência para apreender o celular de Bolsonaro.

Parlamentares também disseram acreditar que a iniciativa deve colocar o chefe do Ministério Público "contra a parede". "Movimentos de Bolsonaro têm efeito contrário do que ele imagina. Se ficasse tranquilo e confiasse nas instituições, não veríamos componentes adicionais que ampliem a desconfiança de que ele tenta interferir nos demais Poderes para se proteger e para blindar seus familiares", afirmou um influente parlamentar ao Valor.

Na avaliação desses parlamentares, ainda inexiste ambiente político para o avanço de um processo de impeachment, mas as revelações contidas no vídeo da reunião ministerial podem criar obstáculos ao governo no Congresso num momento em que o Palácio do Planalto tenta se aproximar do Centrão.

Para tentar reverter essa situação, fontes do governo e do Parlamento acreditam que o presidente deve ser convencido sobre a necessidade de substituir o líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO). A tomada de decisão depende agora de uma saída honrosa para o parlamentar, mas a tendência é que Vitor Hugo seja substituído por um nome do Centrão.

Outro movimento de aproximação do governo em relação ao Centrão seria a demissão do ministro da Educação, que tem tentado barrar a nomeação de indicações políticas. Interlocutores do presidente dizem acreditar que será difícil mantê-lo no cargo, à medida em que cresce a pressão no Congresso para que ele seja demitido. Ontem, até o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), foi favorável à convocação de Weintraub. O líder já defendeu, em entrevistas nos últimos dias, que Bolsonaro demita Weintraub. E ontem fez um acordo para que outros ministros que também deram declarações polêmicas na reunião do dia 22 não fossem convocados neste momento.

Em outra frente, a oposição foi para o ataque contra o ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno. Deputados do PT entraram com um pedido de impeachment no STF, por causa da nota na qual ele afirmou que uma eventual decisão para que o celular do presidente Jair Bolsonaro fosse apreendido poderia ter "consequências imprevisíveis para a estabilidade nacional".