Valor econômico, v.21, n.5008, 26/05/2020. Política, p. A8

 

Fala de Salles compromete projeto

Marcelo Ribeiro 

26/05/2020

 

 

Reveladas na semana passada, as declarações do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, no vídeo da reunião ministerial de 22 de abril azedaram de vez o clima para votação do projeto de lei da regularização fundiária. Alguns apoiadores do projeto apostam em uma retomada das discussões apenas depois da pandemia.

Durante a reunião, Salles defendeu que o governo do presidente Jair Bolsonaro aproveitasse que a imprensa está concentrando atenções na cobertura da crise do coronavírus para conseguir emplacar reformas "infralegais". Na ocasião, o ministro do Meio Ambiente disse que esse seria o momento de "passar a boiada" e de simplificar as normas "de baciada".

A fala foi mal recebida entre parlamentares de diversas alas do Congresso e fez desabar o acordo que vinha sendo costurado para colocar o projeto de regularização fundiária em votação. Designado pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), como relator da proposta, o deputado Marcelo Ramos (PL-AM) reconhece que as declarações de Salles determinam o congelamento das discussões.

"Acredito que efetivamente a fala dele contamina ainda mais uma pauta que já estava contaminada. Defendo que a discussão seja atrasada, mas não acho que o texto deva ser engavetado", disse Ramos.

Ramos destacou que o próprio governo articulou contra o seu parecer, já que o relatório estabelece "travas muito duras para o combate à grilagem" e "é muito diferente" do que foi sugerido por Jair Bolsonaro na Medida Provisória 910. Essa posição do Palácio do Planalto é considerada elemento adicional para atrasar o andamento do projeto.

Nos bastidores, o presidente da Câmara reconhece que a postura de Salles tem potencial para dificultar o avanço da proposta.

O deputado Rodrigo Agostinho (PSB-SP), que presidiu a comissão do Meio Ambiente da Câmara no ano passado, afirma não ter se surpreendido com as declarações de Salles, mas endossa a avaliação de que a fala enterra o debate pelo menos temporariamente. "Para nós, aquilo não é nenhuma novidade. Ele sempre agiu dessa forma. Ele desmontou todos os conselhos fiscalizadores, os fundos que financiavam projetos ambientais. Esse processo já estava rolando em uma velocidade muito grande", disse.

Apesar de reconhecer as melhorias feitas pelo relator, Agostinho aponta que o setor ambientalista teme que o texto avance e seja alterado pelos senadores ou que a análise seja concluída no Congresso Nacional e Bolsonaro vete trechos incluídos pela bancada do meio ambiente. "Temos medo do resultado final."

De acordo com o deputado do PSB, os próximos dias devem ser marcados por manchetes sobre o desmatamento e as queimadas. Os episódios devem se somar às declarações do ministro como fatores negativos para o avanço do projeto de regularização fundiária. " Externamente, o clima já estava ruim e as declarações de Salles talvez tenham sido as que mais repercutiram no exterior", afirmou Agostinho.

Integrantes de frentes parlamentares ligadas ao meio ambiente se reunirão hoje para definir quais medidas tomarão em relação a Salles após a revelação de suas declarações durante a reunião ministerial.

Segundo fontes, a postura do ministro do Meio Ambiente representa um componente adicional para afastar investidores internacionais, considerados essenciais para quando a pandemia for superada e o país estabelecer ações para a retomada da economia. Esse deve ser outro ingrediente com potencial de atrasar a tramitação do projeto.

Em uma articulação encabeçada pelo líder do MDB na Câmara, Baleia Rossi (SP), a MP foi retirada da pauta da Casa às vésperas de caducar. O emedebista alegou que ainda não havia um consenso entre ambientalistas e ruralistas e sugeriu que o tema fosse retomado em um projeto de lei. Apesar da resistência de governistas e do líder do PP na Câmara, Arthur Lira (AL), Maia acatou a sugestão de Rossi.