Correio braziliense, n. 20843 , 16/06/2020. Política, p.2

 

Extremista vai para cadeia

Sarah Teófilo

Luiz Calcagno

Jorge Vasconcellos

16/06/2020

 

 

BRASIL EXTREMO » Polícia Federal prende Sara Winter, de grupo pró-governo. Detenção temporária foi autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF, no âmbito do inquérito que investiga atos antidemocráticos. Há outros cinco mandados de prisão em aberto

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou a prisão temporária de seis apoiadores do presidente Jair Bolsonaro no inquérito que apura atos antidemocráticos. Todos são integrantes do grupo “300 do Brasil”. Ontem, apenas um tinha sido cumprido: contra Sara Fernanda Giromini, mais conhecida como Sara Winter. A militante radical foi detida e prestou depoimento à Polícia Federal. Ela permanecerá presa por cinco dias, prazo que pode ser prorrogado por mais cinco. A extremista deve ser ouvida novamente hoje.

A corporação também investiga deputados federais que mantêm relação com o grupo, acusado de promover manifestações em que pedem o fechamento do Congresso e do STF.

O pedido de prisão de Sara e das outras cinco pessoas — que não tiveram o nome divulgado — foi expedido pelo STF a pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR). A solicitação foi feito na sexta-feira, antes dos atos envolvendo lançamento de fogos de artifício contra o Supremo e da tentativa de invasão de áreas restritas do Congresso, ocorridos no sábado. Já foram protocolados três habeas corpus em favor de Sara. A defesa avalia que a prisão é “política”.

Em depoimento, Sara negou envolvimento dela e do grupo no protesto de sábado contra o STF. O também apoiador do governo Renan da Silva Sena foi preso no domingo, suspeito de participar da ação. Segundo a extremista, Renan é líder de outro acampamento, o “Patriotas”, que não tem relação com o grupo dela. Até sábado, quando foram desmantelados, havia três acampamentos pró-Bolsonaro na região da Esplanada dos Ministérios: 300 do Brasil, QG Rural e Patriotas. A militante radical disse, em depoimento, que cada grupo tem as suas pautas.

Sara também é investigada no inquérito que apura fake news contra o STF. Quando questionada sobre o assunto, permaneceu em silêncio. Ela também não respondeu se é líder do 300 do Brasil nem se manifestou sobre o vídeo em que faz ameaças contra Alexandre de Moraes.

De acordo com Sara, o grupo não tem conexão com nenhum dos três poderes e não recebe “nenhum tipo de apoio financeiro ou de outra espécie do governo”, mas “que não pode afirmar pelos outros grupos”. Segundo ela, o movimento não tem assessores parlamentares nem cabos eleitorais.

Ainda conforme Sara, o 300 é distinto do Patriotas. De acordo com ela, o segundo é mais ligado à pauta de intervenção militar, enquanto o que ela integra “é mais voltado à desobediência civil e a ações não violentas”.

Ofensas

Tanto o acampamento do 300 do Brasil quanto os do Patriotas e QG Rural foram removidos pelo governo do Distrito Federal no sábado. Após serem retirados, Sara e cerca de 20 pessoas do seu grupo tentaram invadir as áreas restritas do Congresso, subindo na parte externa do prédio onde ficam as cúpulas. Elas foram retiradas do local pela polícia legislativa.

No fim de maio, três dias depois de ser alvo de mandado de busca e apreensão no âmbito do inquérito das fake news, Sara organizou um protesto em frente ao STF. Os integrantes usavam máscara e portavam tochas, numa imagem semelhante à do Ku Klux Klan (KKK), grupo racista dos Estados Unidos que fala em supremacia branca e já cometeu diversos atos violentos contra negros.

Na ocasião, o grupo gritou “careca togado, Alexandre descarado”, “ministro, covarde, queremos liberdade”, “viemos cobrar, o STF não vai nos calar” e “inconstitucional, Alexandre imoral”, sempre com gritos de guerra guiados por Sara.

Ontem, no depoimento à PF, ela classificou o ato como “político e religioso”, que se “baseou numa passagem bíblica, especificamente no livro Juízes, capítulo sete, versículo 16”, disse. O trecho diz o seguinte: “Dividiu os 300 homens em três companhias e pôs nas mãos de todos eles trombetas e jarros vazios, com tochas dentro”.

Investigação

Os mandados de prisão foram pedidos pelo vice-procurador-geral da República Humberto Jacques de Medeiros. Segundo apurado pelo jornal O Estado de S. Paulo, os seis são investigados pelo crime de associação criminosa. Em nota, a PGR informou que há indícios “de que o grupo continua organizando e captando recursos financeiros para ações que se enquadram na Lei de Segurança Nacional”. O objetivo das prisões é “ouvir os investigados e reunir informações de como funciona o esquema criminoso” de organização dos atos.

_______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Parlamentares cobram: quem financia grupos?

Alessandra Azevedo

16/06/2020

 

 

O ataque de grupos bolsonaristas de extrema direita ao Supremo Tribunal Federal (STF), no último sábado, foi duramente criticado por boa parte de deputados e senadores, que consideram o lançamento de fogos em direção à Corte mais uma tentativa de ameaça à democracia. Mas, no meio das notas de repúdio, alguns parlamentares preferiram se manifestar de forma evasiva ou, em alguns casos, ficar em silêncio.

Muitos dos que comentaram o assunto cobram que a Justiça descubra quem financia os extremistas que ficam acampados e armados na Esplanada, como Sara Winter. O líder do PT na Câmara, deputado Enio Verri (PR), afirmou que os atentados contra o STF e o Congresso só vão parar quando forem “rechaçados à altura, com a responsabilização não apenas de quem cometeu os atos, mas, também, de quem apoia financeira e logisticamente”.

Para o líder do PSD no Senado, Otto Alencar (BA), “esse pessoal está sendo financiado há muito tempo”, e é urgente saber por quem. “É um grupo radical, que está lá, acampado, sem trabalhar. De onde vem recurso para comprar fogos, viver, se alimentar? Tem alguma verba aí”, disse. Ele acredita que os ataques têm sido mais violentos porque “a atuação de fake news, do gabinete do ódio, está sendo desmantelada”.

O senador se refere à investigação do STF que apura o uso de dinheiro público para divulgar notícias falsas. Alencar lembrou que não é o primeiro ato antidemocrático dessa intensidade. Em maio, o mesmo grupo se manifestou em frente a Corte, com vestimentas como as do Ku Klux Klan, movimento supremacista branco dos Estados Unidos. “Repudio esses ataques. O STF tem agido dentro da Constituição. Se esse ou aquele político está se queixando, algum erro ele cometeu”, frisou.

Para o líder da Rede no Senado, Randolfe Rodrigues (AP), os envolvidos no ataque não devem responder judicialmente por calúnia, injúria ou difamação, mas por ameaça e terrorismo. “As figuras envolvidas devem ser presas. A questão, agora, é mais sobre como devem ser enquadradas. Essas pessoas não são ativistas, são criminosas, terroristas, que atacaram um símbolo da República e da democracia”, disse.

Crítica ao STF

Alguns parlamentares, no entanto, não viram tanta gravidade nos atos. O líder do PL no Senado, Jorginho Mello (SC), disse “desaprovar” o ataque ao prédio do STF, mas relativizou o acontecimento. “O que o Congresso pode fazer? Vai processar quem jogou os fogos? Isso é a Justiça que tem que ver”, afirmou. Ele disse ter acompanhado o caso pela televisão, em Santa Catarina, sem informações “de perto”. “Mas jogar fogos é desaconselhável. Não soma para ninguém. Não aprovo isso”, comentou.

O líder do PSDB no Senado, Roberto Rocha (MA), afirmou que os ataques foram de grupos isolados, entre “milhares de pessoas que se manifestam pacificamente”. O parlamentar disse que “ninguém concorda” com o lançamento de fogos em direção ao STF, mas cobrou atuação “menos política” da Corte. “Tem que cumprir a função. Se os ministros quiserem ser homens públicos, devem ser eleitos e ter mandato”, criticou.

Vários outros parlamentares se posicionaram pelo Twitter. “A afronta às instituições democráticas passou de todos os limites”, escreveu o líder do MDB no Senado, Eduardo Braga (AM). “Não se pode confundir liberdade de manifestação com atitudes criminosas”, completou. Também na rede social, a líder do Cidadania na Casa, Eliziane Gama (MA), criticou “os extremismos, o desrespeito aos Poderes da República, o autoritarismo na forma de governar, de cuidar da saúde da população”.

Frase

"Essas pessoas não são ativistas, são criminosas, terroristas, que atacaram um símbolo da República e da democracia”

Randolfe Rodrigues, senador