Correio braziliense, n. 20843 , 16/06/2020. Política, p.4

 

Sete em 10 brasileiros contra golpe

Jorge Vasconcellos

16/06/2020

 

 

O apoio dos brasileiros à ideia de um golpe militar tem diminuído ao longo dos anos, assim como o prestígio, junto à população, de duas instituições em que é forte o apoio ao bolsonarismo: as Forças Armadas e as igrejas. É o que mostra a terceira rodada anual de uma pesquisa sobre o tema, realizada pelo Instituto da Democracia, grupo formado por pesquisadores de onze instituições nacionais e estrangeiras.

Um dos principais indicadores do levantamento, feito entre 30 de maio e 5 de junho, é o que associa a defesa de um golpe ao temor de uma explosão da criminalidade –– um dos temas centrais nas eleições gerais de 2018. Naquele ano, 55,3% dos pesquisados entendiam que um golpe militar “seria justificável” numa situação de muito crime. Um ano depois, o indicador já havia recuado para 40,3%. Agora, baixou para 25,3%, menos da metade da taxa de 2018. De cada dez brasileiros, sete dizem “não” a essa hipótese.

Também não é bem vista entre os pesquisados a forte presença de militares em cargos de primeiro e segundo escalão, o que foi impulsionado por Bolsonaro desde a posse. Para 58,9% isso não ajuda a democracia. É quase o dobro dos 30,1% que não veem problema.

Desgaste

Constantemente presentes nas listas de campeãs em imagem positiva, as igrejas também começam a apresentar sinais de desgaste. A confiança incondicional (taxa dos que dizem confiar muito) recuou de 35,2% para 29,7% desde 2018.

“O eleitorado começa a se afastar dos temas mais clássicos do bolsonarismo”, diz o cientista político Leonardo Avritzer, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e um dos coordenadores do estudo. “O brasileiro tinha muita confiança nas Forças Armadas e nas igrejas. Já não tem mais tanto assim. A confiança não desabou, mas há sinais de deslocamento.”

Avritzer destaca que, na contramão, há indícios de alguma recuperação nas imagens de instituições tradicionalmente achincalhadas pelo eleitorado. A taxa dos que dizem não confiar no Congresso caiu de 56,3% para 37,2% em dois anos. “Até os partidos, que sempre são os últimos colocados, esboçam melhoria.” Nesse caso, o contingente dos que não confiam recuou de 76,9% para 66,9% no mesmo período. Os que dizem confiar “um pouco” subiram de 12,3% para 20,5%.

O pesquisador suspeita que parte disso pode ser atribuído à pandemia: “As pessoas enxergam na epidemia mais necessidade de apoio às instituições”. A percepção sobre o Judiciário confirma: entre 2018 e 2019, a taxa dos que diziam não confiar no Judiciário havia subido de 33,9% para 38,2%; agora, com pandemia e em meio a ataques de bolsonaristas ao STF, recuou para 21%. O grupo dos que confiam muito no Judiciário subiu de 8,3% para 13,6%. E os que confiam “mais ou menos”, de 28% para 39,4%.

A elevação do prestígio dessas instituições e a ampliação da repulsa à ideia de golpe, porém, não são acompanhadas por aumento da satisfação com a democracia. No ano passado, 32,9% diziam estar satisfeitos ou muito satisfeitos com o regime. Hoje são 25,1%. Para Avritzer, isso ocorre porque grande parte da população associa a ideia de democracia ao funcionamento do governo.

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Militares da reserva atacam STF

Luiz Calcagno

16/06/2020

 

 

Um manifesto com assinaturas de altos oficiais da reserva das Forças Armadas, endereçado ao ministro Celso Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), é mais um ingrediente a acirrar a crise entre o Executivo e a Corte. O texto foi enviado, no sábado, ao magistrado que é relator do inquérito que apura se o presidente Jair Bolsonaro interferiu politicamente na Polícia Federal para proteger os filhos.

A carta começa afirmando que não se entra nas Forças Armadas por “apadrinhamento”, uma crítica à indicação, pelo presidente da República, aos ministros que compõem à Suprema Corte. O texto também ataca a terminologia usada pelo Judiciário. “Nenhum Militar galga todos os postos da carreira porque fez uso de um palavreado enfadonho, supérfluo, verboso, ardiloso, como um bolodório de doutor de faculdade”. Também afirma que militares não recorrem à subjetividade para cumprir uma missão.

Em outro trecho, diz que militares não atingem o generalato ou postos mais elevados sem merecerem “o reconhecimento dos seus chefes, o respeito dos seus pares e a admiração dos seus subordinados”.

O texto dos oficiais da reserva exalta os militares ao mesmo tempo em que critica o Judiciário. Tem 109 assinaturas, dentre as quais de coronéis da Aeronáutica e do Exército, capitães de mar-e-guerra, vice-almirantes, brigadeiros, um tenente-coronel da Polícia Militar do Rio de Janeiro, além de professores, engenheiros e advogados.

A escalada de tensões subiu alguns degraus na última sexta, quando o ministro Luiz Fux concedeu liminar afirmando que as Forças Armadas não podem atuar como “poder moderador”, deixando claro que o artigo 142 da Constituição nada prevê a respeito. Em resposta, o presidente Jair Bolsonaro disse que “as Forças Armadas não cumprem ordens absurdas”. Ontem, voltou ao tema afirmando que as FAs “jamais aceitariam um julgamento político para destituir um presidente democraticamente eleito”.