Correio braziliense, n. 20843 , 16/06/2020. Mundo, p.12

 

Vitória histórica do movimento LGBTQ

16/06/2020

 

 

ESTADOS UNIDOS » Por seis votos a três, juízes da Suprema Corte consideram que homossexuais e transgêneros estão protegidos por mecanismos antidiscriminatórios no trabalho, numa decisão que contraria a postura defendida pelo governo do presidente Donald Trump

Em decisão de forte significado histórico, a Suprema Corte dos Estados Unidos assegurou, ontem, por maioria de votos, uma vitória aos trabalhadores homossexuais e transexuais. Com o respaldo de seis dos nove juízes que compõem o tribunal, prevaleceu o entendimento de que eles estão protegidos por uma lei federal e não podem ser demitidos por conta da orientação sexual ou identidade de gênero.

O resultado, que teve o apoio de um juíz indicado por Donald Trump, é considerado uma derrota para o governo do presidente republicano. “Eles ditam e nós vivemos com a decisão”, comentou o chefe da Casa Branca. Por sua vez, o democrata Joe Biden,  classificou o entendimento como “um passo significativo à frente”. “Até agora, as pessoas homossexuais podiam se casar em um dia e ser demitidas no outro”, criticou, prometendo dar continuidade “à luta pela igualdade”.

“Hoje (ontem), temos que decidir se um empregador pode demitir alguém apenas porque a pessoa é homossexual ou transgênero. A resposta é clara: a lei proíbe”, concluiu a mais alta instância do Poder Judiciário nos EUA. A legislação em questão está em vigor desde 1964 e proíbe a discriminação “com base no gênero” e foi usada por analogia.

Até chegar à Suprema Corte, porém, gerou-se a polêmica. Isso porque alguns tribunais, assim como o governo republicano, vêm expressando o juízo de que a lei se aplicava apenas à distinção entre homens e mulheres, e não minorias sexuais.

Os defensores de trabalhadores gays, lésbicas ou trans, apoiados por legisladores ou executivos democratas e grandes empresas — como Apple, General Motors ou Walt Disney —  pediram à Suprema Corte que colocasse um ponto final na controvérsia, esclarecendo definitivamente quem estava protegido por essa regra. “É uma grande vitória para a igualdade”, celebrou James Esseks, um dos líderes da União Americana pelas Liberdades Civis (ACLU).

Maioria

Há cinco anos, o tribunal havia expandido o direito ao casamento para pessoas do mesmo sexo. Entretanto, temia-se que os dois juízes nomeados por Trump tornassem a Corte mais conservadora. Porém, foi um deles, Neil Gorsuch, que redigiu a decisão da maioria, somando sua voz à dos quatro juízes progressistas e à do presidente da Corte, John Roberts.

Em seu voto, Gorsuch destacou que os autores da lei federal de 1964 não tinham em mente que, no futuro, os dispositivos levariam a essa conclusão. “Mas os limites da imaginação não são razão para ignorar as exigências da lei”, assinalou o magistrado.

Brett Kavanaugh, o outro juiz escolhido por Trump por seus pontos de vista conservadores, opôs-se a esse entendimento. Ele considerou que caberia ao Congresso, e não ao Judiciário, atualizar a lei. “Apesar da minha preocupação com a transgressão da separação de poderes pela corte, a decisão representa uma vitória importante conquistada hoje (ontem) pelos homossexuais e lésbicas americanos”, declarou.

Concretamente, o tribunal se pronunciou sobre três casos distintos. Dois deles envolviam trabalhadores gays: o instrutor de paraquedismo Donald Zarda e o trabalhador social Gerald Bostock, que haviam entrado com ações após serem demitidos devido à sua orientação sexual. Como exemplo da confusão jurídica que reinava, os tribunais deram razão ao primeiro e  relegaram o segundo.

 

Ineditismo

Pela primeira vez, a Suprema Corte também examinou o caso de uma pessoa transgênero, Aimee Stephens, que, após trabalhar como homem por seis anos em uma funerária de Detroit, anunciou ao dono que pretendia assumir sua identidade como mulher. Isso motivou a sua demissão em nome dos valores cristãos de seu patrão e “em respeito às famílias” dos mortos.

Aimee embarcou, então, em uma cruzada na Justiça. “Era hora de alguém se levantar e dar um basta”, disse, em audiência no ano passado. Aimee não pôde assistir à vitória na Suprema Corte. Devido a complicações decorrentes de uma insuficiência renal grave, ela morreu em 12 de maio, aos 59 anos.

“Estou agradecida por esta vitória, que honra a luta de Aimee e garante um tratamento igualitário às pessoas, independentemente da sua orientação sexual ou identidade”, ressaltou a viúva, Donna Stephens.