O Estado de São Paulo, n.46224, 08/05/2020. Economia, p.B4

 

Acusações de Moro a presidente pode ameaçar entrada na OCDE

Idiana Tomazelli

Paulo Roberto Netto

08/05/2020

 

 

Chefe do grupo anticorrupção da entidade faz alerta e diz que membros são muito rigorosos nestes casos

A acusação do ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sérgio Moro de que o presidente Jair Bolsonaro tentou interferir na Polícia Federal pode ameaçar a candidatura do Brasil à Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), disse o chefe do grupo de trabalho anticorrupção na entidade, Drago Kos.

Em entrevista à Bloomberg, Kos afirmou que a OCDE, “clube de países ricos” do qual o Brasil quer fazer parte, questionou autoridades brasileiras para saber ‘o que estava acontecendo’ após o anúncio de demissão de Moro. O ex-ministro deixou o governo em 24 de abril após relatar pressões do presidente para mudar o comando da PF.

“Nossos Estados-membros são muito, muito rigorosos quando discutem adesões à OCDE. Por isso, espero que o Brasil use isso como uma oportunidade, mas se seguirem outro caminho, nossos Estados-membros saberão como lidar com isso”, disse. “Nós queremos ter a certeza absoluta de que o Brasil não está retrocedendo.”

Segundo Kos, uma videoconferência marcada para junho vai discutir temas relacionados à candidatura brasileira, e o tópico “Moro” deve ser abordado.

Para um experiente negociador ouvido pela reportagem sob a condição de anonimato, a demissão em si não tem poder de influenciar os rumos da candidatura brasileira à OCDE, apesar de Moro ser um símbolo internacionalmente conhecido por sua atuação na Operação Lava Jato. Segundo essa fonte, o que poderia pesar são os motivos por trás da saída do ex-ministro, caso se prove que houve tentativa de interferência. Um inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF) investiga o caso.

A avaliação, porém, é de que a candidatura brasileira à OCDE envolve um leque amplo de áreas, inclusive econômicas, e que o País tem se adiantado no cumprimento das tarefas necessárias para a adesão à organização. Além disso, esse observador lembra que o candidato não é o presidente, mas sim o País.

A crise política no Brasil deve colocar uma “lupa” no funcionamento das instituições, mas a análise desse negociador é de que, no limite, o próprio andamento das investigações poderá mostrar amadurecimento e emitir sinais de que as instituições brasileiras seguem funcionando.

O Brasil obteve apoio dos Estados Unidos para sua adesão à OCDE em janeiro deste ano, num movimento comemorado pelo governo e atribuído em parte à relação estreita mantida entre Bolsonaro e o presidente americano, Donald Trump. O País, no entanto, ainda tem um longo caminho pela frente para concluir a adesão.

É preciso primeiro obter consenso dos membros da OCDE sobre candidaturas existentes.

Rigorosos

“Nossos Estados-membros são muito, muito rigorosos quando discutem adesões à OCDE. Por isso, espero que o Brasil use isso como uma oportunidade.”

Drago Kos

CHEFE DO ANTICORRUPÇÃO da OCDE