Valor econômico, v.21, n.5009, 27/05/2020. Política, p. A6

 

Witzel é investigado em desvio de R$ 700 milhões na saúde

André Guilherme Vieira 

Isadora Peron

Alessandra Saraiva

Gabriel Vasconcellos 

27/05/2020

 

 

O governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), foi alvo ontem de operação autorizada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) por suspeita de envolvimento em esquema de desvio de até R$ 700 milhões de um total de R$ 850 milhões em recursos federais, destinados ao combate do coronavírus no Estado. O inquérito em que Witzel é investigado foi aberto em 13 de maio e solicitado na véspera pelo procurador-geral da República, Augusto Aras. Ele coloca o governador no topo de organização criminosa que teria superfaturado preços até de caixas d' água dos hospitais de campanha do Rio.

Batizada de "Placebo", a ação contou com 12 mandados de busca e apreendeu três computadores e três celulares do político. Entre os alvos da operação, determinada pelo ministro Benedito Gonçalves, estiveram o Palácio Laranjeiras, residência oficial do governador, e a sede oficial do governo fluminense, o Palácio Guanabara, além das secretarias estaduais de Saúde e de Finanças do Rio de Janeiro.

A Polícia Federal (PF) também vasculhou o escritório de advocacia da primeira-dama do Estado, a advogada Helena Witzel, além de uma casa em que o atual governador morava antes de ser eleito, no Grajaú, zona Norte do Rio. O escritório de Helena recebeu dinheiro de empresa de Mário Peixoto, preso há 11 dias por suspeita de corrupção, segundo as investigações. Helena mantinha contrato de prestação de serviços advocatícios com a DPAD Serviços Diagnósticos Ltda., apontam documentos do caso. A empresa integra consórcio contratado pelo governo do Rio para executar serviços de saúde.

O inquérito que tramita no STJ está sob segredo de Justiça e relata uma série de ilegalidades no processo de contratação da organização social Iabas e de outras entidades privadas para administrar hospitais. Essa empresa também mantém parcerias na área da saúde com a prefeitura da cidade de São Paulo (ver reportagem Empresa investigada gere hospital de campanha em SP). Indícios apontam para fraudes em valores de orçamentos de itens comprados para o atendimento de vítimas da covid-19.

Chamou a atenção a rapidez com que o inquérito sobre Witzel tramitou no STJ. Apesar de as investigações em curso na Corte contarem com rito próprio e grupo específico de delegados, o Sinq, o tempo entre a instauração do inquérito e a autorização para medidas cautelares de busca e apreensão é considerado mais curto do que a média das diligências em curso no STJ, segundo dois experientes procuradores do Ministério Público Federal (MPF) com atuação em Cortes Superiores que não participam da investigação.

Como justificativa para a rapidez, um investigador que atua na Placebo explica que apurações que ocorriam há anos acabaram convergindo para o governador.

A força-tarefa da Lava-Jato do Rio e o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MP-RJ) apuravam indícios de desvios da saúde fluminense em suas respectivas competências. A primeira na fiscalização do uso de recursos de origem federal desde ao menos a época do governo Sérgio Cabral (MDB); o segundo em desdobramentos sobre gastos do Estado fluminense.

No dia 14 de maio, o MPF do Rio compartilhou com o STJ informações de investigação realizada na primeira instância que, a partir de escutas telefônicas judicialmente autorizadas, apontavam "possível ajuste ilícito" do governador Wilson Witzel com Mário Peixoto - o empresário preso pela Operação Favorito da PF, um dos pontos de partida para a abertura do inquérito criminal a que Witzel agora responde.

"O governador deu provimento a recurso hierárquico apresentado pela citada organização social e revogou a Portaria que desqualificava a entidade, sob o fundamento de conveniência e oportunidade, demonstrando forte probabilidade da existência de ajustes para o desvio de dinheiro público", escreveu o ministro Gonçalves.

Em videoconferência promovida ontem pela FGV do Rio, o ex-ministro da Justiça, Sergio Moro, disse que as investigações que levaram à deflagração da Placebo começaram em sua gestão, encerrada na última semana de abril. Ele afirmou que a prisão de um subsecretário de Saúde do Rio deveria ter acontecido em março e só teria sido adiada em função da pandemia.

Se a fala de Moro enfraquece a teoria de que a operação do Rio teria sido direcionada politicamente, permanecem entretanto indícios de que poderia ter havido vazamento de informações. Anteontem, a deputada bolsonarista Carla Zambelli (PSL-SP) disse à Rádio Gaúcha que a PF estava prestes a deflagrar ações para apurar irregularidades cometidas por governadores durante a pandemia. Ontem, a parlamentar voltou à carga, falando em possíveis alvos nos Estados em entrevista à CNN Brasil.

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Governador acusa Bolsonaro de perseguição política

Alessandra Saraiva 

Gabriel Vasconcelos 

27/05/2020

 

 

O governador do Rio, Wilson Witzel (PSC), negou envolvimento em supostos desvios em contratos emergenciais do governo para o enfrentamento à covid-19. Witzel acusou o presidente Jair Bolsonaro de usar o assunto, alvo de operação da Polícia Federal (PF) ontem e que mirou endereços ligados a ele, como instrumento de perseguição política. Em pronunciamento na residência oficial do governo estadual, no Palácio Laranjeiras, um dos endereços da operação de ontem, Witzel fez longa citação ao senador Flávio Bolsonaro (Republicanos), filho do presidente, contra quem a PF "engaveta investigações", segundo o governador.

Flávio reagiu minutos depois, em transmissão ao vivo em rede social. O filho do presidente disse que o governador do Rio é corrupto e o acusou de extorquir empresários. Segundo o senador, outros supostos crimes do governo Witzel virão à tona.

Witzel e Flávio Bolsonaro foram aliados na política do Rio até setembro de 2019, quando romperam após o governador insinuar que tentaria a Presidência em 2022. Witzel contou com forte apoio do senador em sua campanha em 2018. Seu nome e o de Bolsonaro apareciam juntos em "santinhos" distribuídos fisicamente, e em correntes virtuais por aplicativo de mensagens. Mas as declarações de ambos, ontem, evidenciam que a boa convivência ficou no passado.

"O que se vê na família do presidente Bolsonaro [é que] a Polícia Federal engaveta inquéritos, vaza informações. O senador Flávio Bolsonaro, com todas as provas que nós já temos contra ele, dinheiro em espécie depositado na conta corrente, lavagem de dinheiro, bens injustificáveis, já devia estar preso", disse Witzel.

Para o governador, a ação da PF foi realizada por ele ser alvo de perseguição política da família Bolsonaro. O governador fez referência à troca de acusações entre ele e o presidente, após a revelação de que o nome de Jair Bolsonaro fora citado em inquérito do Ministério Púbico estadual (MP-RJ), que investiga o assassinato da vereadora Marielle Franco (Psol). Witzel teria contado a Bolsonaro sobre a citação. Desde então, o presidente atribui a Witzel todas as investigações que ocorrem no Rio contra a sua família.

Ainda em referência a Bolsonaro, Witzel disse que vai continuar lutando contra o "fascismo que se instala no país, essa nova ditadura da perseguição", e que não vai deixar que o presidente se torne "mais um ditador da América Latina". Segundo Witzel, operações como a de ontem ocorrerão com outros governadores que forem considerados inimigos pelo clã Bolsonaro.

Sobre o processo em si, o governador se limitou a dizer que está aberto a esclarecimentos. Para Witzel, o ministro do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), Benedito Gonçalves, que autorizou o pedido de busca e apreensão em 12 endereços, inclusive em sua residência particular no Rio, foi induzido a erro por procuradores do Ministério Público Federal (MPF).

Flávio Bolsonaro negou que haja perseguição a governadores por Jair Bolsonaro. Ele disse que Witzel tenta fazer cortina de fumaça para encobrir escândalos de seu governo. Segundo o senador, a investigação que originou operação da PF de ontem partiu da Polícia Civil comandada pelo próprio Witzel.

Flávio afirmou ainda que a ação da PF de ontem nada tem a ver com o inquérito no qual o nome do senador estaria envolvido: um suposto vazamento da Operação Furna da Onça, da PF, em 2018. O senador disse que o governador agia como "louco" em suas declarações. Também declarou-se arrependido do apoio dado por sua família. "Se soubéssemos que Witzel era incompetente e ladrão jamais teríamos pedido voto nele", afirmou.