Correio braziliense, n. 20845 , 18/06/2020. Brasil, p.10

 

Pandemia: questão de segurança nacional

Bruna Lima

Maria Eduarda Cardim

18/06/2020

 

 

Pasta comandada por Pazuello avisa que usará Lei de Segurança Nacional contra quem passar informações sobre a cúpula. A justificativa é que, no âmbito do coronavírus, as divulgações de imagens e informações podem comprometer a soberania

O movimento do governo em restringir informações e estratégias debatidas para o enfrentamento da covid-19 atingiu as instâncias internas do Ministério da Saúde. Para proteger informações discutidas no primeiro escalão da pasta, servidores lotados no gabinete do ministro interino, coronel Eduardo Pazuello, foram obrigados a assinar um termo de sigilo sob a ameaça de serem enquadrados na Lei de Segurança Nacional (LSN). Todos os servidores que têm contato mais próximo com Pazuello assinaram o termo há duas semanas. A justificativa é de que, no âmbito da situação de emergência de saúde, a divulgação de imagens e informações poderiam comprometer a soberania, integridade e democracia.

O documento, cuja assinatura com nome completo e cargo foi obrigatória, se tratava de uma declaração afirmando se “ter ciência da obrigação legal de manter em sigilo todas as informações e planos de ações estratégicas debatidas e definidas no âmbito do gabinete do ministro do Ministério da Saúde”. A proibição de filmar ou tirar foto no ambiente foi mencionada. “A divulgação de imagem ou informação também configura crime contra a segurança nacional, previsto na lei 7.170 de 14 de dezembro de 1983”, dizia o texto, mencionando a LSN, sancionada à época da ditadura e conhecida pelo caráter intimidador.

Evocada para enquadrar desde atos grevistas até o atentado contra o então candidato à presidência Jair Bolsonaro, a lei voltou à tona no início desta semana. O ministro da Justiça, André Mendonça, a usou para pedir a investigação de uma charge que associa Bolsonaro ao nazismo.

Em abril, o procurador-geral da República, Augusto Aras, também evocou a lei para abrir inquérito contra manifestantes que defendem a volta do AI-5, ato mais duro de repressão ditatorial e que contraria o estado democrático de direito. A LSN existe desde 1983 e lista crimes contra a segurança nacional e a ordem política e social.

Redes sociais

Esta é a segunda intervenção do Ministério da Saúde em assuntos envolvendo o cuidado com a informação. Após terem assinado o documento, os servidores da pasta receberam, na última terça-feira, um e-mail que orientava sobre o uso das redes sociais, alertando que, apesar de serem ferramentas “úteis e práticas”, elas “devem ser usadas com cuidado”. “Quem vê seu perfil ou posts nas redes sociais, seja no WhatsApp, Facebook, Twitter e outras, está vendo também os comentários, fotos e informações de um agente público. As redes sociais são ferramentas muito úteis e práticas, mas devem ser usadas com cuidado”, alerta um dos pontos.

Assinada pela Comissão de Ética do Ministério da Saúde, a mensagem ressalta que atos verificados na conduta do dia a dia, na vida privada do servidor, “poderão acrescer ou diminuir o seu bom conceito na vida funcional”. Segundo a pasta, o uso das redes tem sido intenso e muitos agentes públicos estão se adaptando ao trabalho remoto. As dicas são “previstas no Código de Ética do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal, previstas no decreto 1.171/1994. Orientações similares são orientadas por diversas empresas do país em seus códigos de ética e condução dos trabalhadores”, justificou a pasta.

Além disso, o ministério afirmou que “as informações discutidas no Centro de Operações de Emergência são estratégicas e embasam a construção de ações que, posteriormente, passam por pactuação com diversas instâncias antes de se concretizarem e serem divulgadas.”

Restrição interna

Nos bastidores, as instruções foram interpretadas como mais um movimento do governo federal para dar seguimento à tentativa de omissão de informações. O tema tomou as manchetes nas últimas semanas, após ter sido tirado do ar o site com a atualização diária da pandemia, o acumulado de casos e mortes por covid e o desenho de todos os gráficos.

A ordem foi dada pelo presidente Jair Bolsonaro que, em 6 de junho, confirmou a mudança. “É para pegar o dado mais consolidado e tem que divulgar os mortos no dia”, disse à época. Tendo como suposta estratégia atrapalhar a rotina dos noticiários, a determinação de atrasar a divulgação dos dados para depois das 22h havia sido incorporada dias antes. Ao ser questionado sobre o assunto, o presidente declarou: “Acabou matéria do Jornal Nacional”. Após uma determinação de caráter liminar do STF, a plataforma foi inteiramente reativada.

Palavra de especialista

Existe uma linha muito tênue, estreita, entre liberdade e autonomia do cargo público. A liberdade de expressão nunca vai poder ser polida. Agora, ainda mais neste momento de pandemia, existem dados de saúde que o servidor trata, manipula, convive, trabalha, que não são dele. Às vezes, não é interesse do Estado que esses dados sejam divulgados, e um servidor público não pode soltá-los.

Em ato contínuo, os servidores têm o dever legal de não expor dados que estão em posse do governo, sob pena de responder a sanções administrativas e até penais ou civis (imagine se vaza uma lista de todas as pessoas infectadas com covid-19 no Brasil). A Lei de Segurança Nacional, neste caso, deve ser analisada como lei em analogia aos crimes ali cometidos.

A precaução do ministério também encontra guarda na responsabilidade objetiva do Estado. Caso ocorra o exemplo anterior, um vazamento de lista, todo afetado tem direito de ser indenizado pelo Estado; e o Estado pode cobrar de seus colaboradores, se eles possuíam ciência da responsabilidade dos dados que estavam em suas mãos.

Contudo, no contraponto a isso, a Lei de Acesso à Informação garante que todo cidadão tem o direito de ter acesso às informações de qualquer órgão, desde que não afete a segurança da nação. Assim, essa declaração firmada poderá infringir o referido direito às informações.

 Isso tudo será analisado no STF. Contudo, neste momento, devemos analisar se as informações do Ministério da Saúde, possuem ou não o condão de afetar a segurança nacional. Se afetar, pode-se enquadrar em algum artigo da referida lei; se não, essa famosa declaração que os servidores assinaram será em vão, apenas para cumprir as formalidades de isenção de responsabilidade civil do Estado. Ou seja, não trará problemas aos servidores.

 

Elizeu Silveira, advogado especialista em administração pública

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Brasil tem mais casos que restante da América Latina

Bruna Lima

Maria Eduarda Cardim

18/06/2020

 

 

O Brasil registrou, pelo segundo dia consecutivo, mais de mil mortes e mais de 30 mil infectados pela covid-19. Somente ontem, o Ministério da Saúde contabilizou mais 1.269 óbitos e 32.188 casos confirmados. Com isso, 46.510 brasileiros já perderam a vida para o novo coronavírus e 955.377 diagnósticos positivos. O total de casos no país é superior à soma de confirmações em toda a América Latina. Caso mantenha a média de registro diário dos últimos seis dias, que é de 25.424, o Brasil passará, amanhã, a marca de um milhão de infectados.

Somando os outros 19 países que compõem a América Latina, o número de confirmações era de 836.200 até ontem. O Brasil tem 119.177 registros a mais e é, atualmente, a segunda nação com mais diagnósticos positivos para a doença no mundo. De acordo com o levantamento da Universidade Johns Hopkins, somente os Estados Unidos têm números absolutos superiores aos brasileiros; são 2.159.446 casos e 117.622 óbitos.

O Brasil também acumula mais de dez vezes o total de mortes chinesas provocadas pelo vírus. No país onde se originou a covid-19, são 4.638 fatalidades. Sozinho, São Paulo tem mais do que o dobro de óbitos. O estado continua liderando o ranking no Brasil e, ontem, registrou, pelo segundo dia consecutivo, novo recorde de mortes diárias por covid-19. Com mais 389, o estado soma 11.521 vidas perdidas.

Estados

Além de São Paulo, Rio de Janeiro e Ceará ultrapassaram o número de mortes da China, com 8.138 e 5.282, respectivamente. Outros seis estados já bateram a marca de mil óbitos cada. São eles: Pará (4.291), Pernambuco (4.009), Amazonas (2.579), Maranhão (1.570), Bahia (1.222) e Espírito Santo (1.169). Juntos, os oito estados somam 39.781 mortes, ou seja, 85,5% de todos as mortes. Apenas Mato Grosso do Sul (MS) tem menos de 100 fatalidades: eram 36, até ontem.

Em entrevista coletiva, o diretor do programa de emergências da Organização Mundial de Saúde (OMS), Michael Ryan, afirmou que o aumento de casos no Brasil “não é tão exponencial como era anteriormente”. “Existem alguns sinais de que a situação está se estabilizando. No entanto, já vimos isso antes em outras epidemias, em outros países. Você pode ver um sinal de estabilização em um dia ou dois e, depois, a doença pode decolar novamente”, pontuou.

Do total de casos confirmados de covid-19 no Brasil, 445.393 pacientes estão em observação e 463.474 foram recuperados. Há ainda 4.033 mortes em investigação. A taxa de letalidade (número de mortes pelo total de casos) ficou em 4,9%. A mortalidade (falecimentos por 100 mil habitantes) foi de 22,1. Já a incidência (casos confirmados por 100 mil habitantes) ficou em 454,6.