Valor econômico, v.21, n.5004, 20/05/2020. Política, p. A6

 

Carlos Oliveira reconhece encontro com Bolsonaro

Isadora Peron

Luísa Martins

André Guilherme Vieira

20/05/2020

 

 

Novos depoimentos continuam levantando suspeita sobre um possível interesse do presidente Jair Bolsonaro em investigações que tramitavam no Rio de Janeiro. Ontem, o delegado Carlos Henrique Oliveira, atual diretor-executivo da Polícia Federal (PF), admitiu que se encontrou com o presidente antes de assumir, em novembro do ano passado, o comando da Superintendência da PF fluminense. Hoje, será a vez do empresário Paulo Marinho ser ouvido no inquérito aberto para apurar se o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) recebeu informações sigilosas sobre a Operação Furna da Onça, deflagrada em 2018.

As duas frentes de investigação correm paralelas, mas estão cada vez mais entrelaçadas. Marinho, que é suplente de Flávio no Senado e pré-candidato à Prefeitura do Rio pelo PSDB, afirmou, em entrevista ao jornal "Folha de S. Paulo", no fim de semana, que o filho do presidente teria sido alertado sobre a operação por um delegado da PF e aconselhado a demitir o ex-assessor Fabrício Queiroz, envolvido no esquema da "rachadinha" em seu antigo gabinete, na Assembleia Legislativa do Rio.

De acordo com uma fonte, o empresário vai apresentar elementos para corroborar as acusações. Ele deve entregar à PF conversas de WhatsApp que trocou com pessoas do núcleo próximo de Bolsonaro na época da eleição.

A Procuradoria-Geral da República (PGR) também pediu para que Marinho fosse ouvido no âmbito do inquérito que está no Supremo Tribunal Federal (STF) e apura as acusações do ex-ministro Sergio Moro de que o presidente tentou interferir na autonomia da PF. O mais provável é que ele não precise prestar um novo depoimento. Os procuradores fluminenses devem compartilhar as informações com a PGR para que sejam usadas também na investigação do STF.

Foi nesse inquérito que Carlos Oliveira pediu para ser ouvido novamente ontem. Ele mudou um trecho do seu primeiro depoimento, dado na semana passada, e disse que foi convidado por Alexandre Ramagem para ser o número dois da PF em 27 de abril. A nomeação de Ramagem para o cargo de diretor-geral da PF foi oficializada um dia depois. Ele, no entanto, não tomou posse devido à uma decisão do STF.

Na semana passada, ao ser questionado "se alguma pessoa cogitada pela imprensa para ser o novo diretor-geral o procurou questionando que se caso fosse nomeado diretor-geral o depoente aceitaria participar da Direção Executiva", ele havia dito que "ninguém o procurou com essa proposta".

Ele também contou que foi levado por Ramagem para um encontro com Bolsonaro no segundo semestre de 2019. Segundo o delegado, tanto Moro quanto o ex-diretor-geral da PF Maurício Valeixo souberam da reunião, mas não participaram.

Carlos Henrique disse ainda que Bolsonaro não fez nenhum comentário, durante o encontro, sobre o fato de ele ter sido indicado para comandar a Superintendência do Rio. "O presidente não disse isso diretamente, mas que isso já era um dado público à época", disse.

Ele também afirmou que o presidente não perguntou sobre as investigações em curso. O encontro teria durado entre 20 a 30 minutos. "O depoente esclarece que não foi declarado nenhum objetivo específico para a sua audiência com o presidente Jair Bolsonaro; que o delegado Alexandre Ramagem apenas pontuou que seria importante o depoente conhecer o presidente Jair Bolsonaro", diz o termo do depoimento.

Carlos Henrique também foi questionado sobre os vazamentos da Operação Furna da Onça, trazidas à tona por Marinho. Na época em que foi deflagrada, o delegado já atuava no Rio. Ele, no entanto, "não soube dizer onde teria ocorrido o vazamento".

Questionado se algum policial era próximo à família do presidente, ele citou o nome do delegado Márcio Derenne, mas disse que esse agente não participou da operação.

Ele também afirmou que Ramagem não participou da Furna da Onça, mas sim da Cadeia Velha, deflagrada em 2017. Ele, no entanto, diz que não sabe em que momento chegou à investigação o relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) que citava Queiroz.

O ex-diretor de inteligência da Polícia Federal Claudio Ferreira Gomes também prestou depoimento ontem. Ele afirmou que Bolsonaro nunca solicitou detalhes sobre investigações, mas destacou que a produção de relatórios de inteligência foi superior aos anos anteriores. Uma das justificativas apresentadas pelo presidente para trocar o comando da PF foi de que ele não recebia informações de inteligência.