Título: Novos caminhos velhos
Autor: Franco, Pedro Rocha
Fonte: Correio Braziliense, 09/01/2013, Economia, p. 11

Estado que já ostentou a maior malha ferroviária do país, Minas Gerais se ressente do abandono das linhas de transporte de passageiros. Mas há planos para reativar as ligações entre a capital mineira e outros grandes centros urbanos

Belo Horizonte — Às 7h30, a maria-fumaça apita para anunciar o início do percurso. O ponto de partida é a Praça da Estação, no coração de Belo Horizonte. Quase 13 horas depois, os viajantes vão desembarcar em Vitória, depois de vencer os 904 quilômetros que separam as capitais mineira e capixaba. Ao término da jornada, o dia se foi e é quase hora de dormir. Retrato fiel do abandono do transporte de passageiros pelo sistema ferroviário do país, o percurso pela última linha diária dessa modalidade no estado (Vitória-Minas) demora quase duas vezes mais que o trajeto feito de automóvel pela BR-381. Tendo como prioridade o carregamento de minérios de ferro, o trem chega ao destino com os vagões de passageiros quase vazios.

Quem embarca na viagem mal pode imaginar que, da estação mineira, já foi um dia possível alcançar as principais capitais de estados vizinhos por meio de uma malha extensa e capilarizada. Além de Vitória, era possível chegar a Salvador e ao Rio de Janeiro, de onde, após uma baldeação, se podia rumar para São Paulo. Mas não era só. Moradores do sul de Minas usavam o trecho Ribeirão Vermelho-Barra Mansa (RJ) para trabalhar na região industrial fluminense. Outros profissionais que vinham do Nordeste passavam por Monte Azul (MG) e seguiam para ajudar no desenvolvimento do Rio e de São Paulo. Ao todo, são quase 4 mil quilômetros de trilhos espalhados pelo estado de Minas Gerais.

O governo federal, no entanto, mudou o rumo e colocou em segundo plano o modal ferroviário. Nos anos 1960, o então presidente da República, Juscelino Kubitschek, iniciou a construção de rodovias pelos quatro cantos do país, e , aos poucos, a rede férrea se tornou obsoleta. A maioria dos trens foi abandonada nos anos 1990. Hoje, Minas não mais ostenta a maior rede férrea, mas a maior malha rodoviária do país.

Para piorar, na década de 1990, quando foram assinadas concessões para repassar o sistema ferroviário da União a empresas interessadas, estancando prejuízo que rondava a casa de US$ 1 milhão por dia, uma sequência de erros resultou em ameaça a um patrimônio secular. A iniciativa privada arrendou as linhas com o intuito de focar somente no transporte de carga. Além disso, 80% dos mais de 50 mil imóveis pertencentes à Rede Ferroviária Federal (RFFSA) não estavam registrados, e não foi feito sequer um inventário, o que permitiu que boa parte do material se extraviasse ou até mesmo fosse furtada para ser vendida como sucata.

Roubo “Quantas locomotivas eram? Quantos carros de passageiros? E toda a documentação? Grande parte da história se perdeu, fora o que teve de roubo de trilhos e de dormentes”, lamenta a historiadora Helena Guimarães Campos, coordenadora do Núcleo Ferroviário da ONGTrem.

O antigo Vera Cruz, que ligava Belo Horizonte ao Rio de Janeiro, por exemplo, está abandonado em pátios ferroviários em Santos Dumont, na região da Zona da Mata de Minas. Todos os vagões e locomotivas estão completamente deteriorados, sendo difícil imaginar que um dia aquelas composições representaram o que de mais luxuoso havia no Brasil. Ao fim do contrato de 30 anos, o patrimônio deve ser devolvido à União no mesmo estado de conservação em que foi entregue às concessionárias. Mas sabe-se lá como estará em 2026.

Josias Cavalcante, presidente da Valec Engenharia, estatal federal responsável pela construção de ferrovias, afirma que a tendência é a de que os trechos abandonados sejam retomados pela União. Há a opção de realizar novas concessões de linhas ou a possibilidade de a Valec assumir esses trajetos. “Estamos rumando para o sistema de acesso aberto (open access, em inglês), que busca mais integração de malhas e de meios de transporte”, resume. (Colaborou Sílvio Ribas)