Correio braziliense, n. 20847 , 20/06/2020. Política, p.4

 

Os crimes de Fabrício Queiroz

Jorge Vasconcellos

Sarah Teófilo

Luiz Calcagno

20/06/2020

 

 

A decisão judicial que determinou a prisão do policial militar aposentado Fabrício Queiroz — ex-assessor parlamentar do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), na época em que ele era deputado estadual — citou a relação dele com milicianos e a influência que tinha sobre testemunhas no esquema da rachadinha na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). Queiroz foi preso preventivamente, na quinta-feira, no âmbito da investigação do Ministério Público do Rio que apura a participação dele nesse esquema de desvio dos salários de servidores do Legislativo local.

Queiroz estava numa casa em Atibaia (SP), de propriedade de Frederick Wassef, advogado do clã Bolsonaro. O mandado de prisão dele e da esposa, Márcia de Oliveira Aguiar, foi expedido pelo juiz Flávio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio.

Na decisão, o magistrado diz haver provas de que Queiroz e Márcia cometeram crimes de peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Ele pontua que, mesmo escondido em Atibaia, o ex-assessor tinha influência sobre milicianos no Rio e para pleitear nomeações em cargos comissionados.

Para o juiz, a influência de Queiroz mostra que "ele poderia ameaçar testemunhas e outros investigados e obstaculizar a apuração dos fatos, perturbando o desenvolvimento da investigação e de futura ação penal".

Ainda na decisão, o magistrado cita que, no decorrer da apuração, o MP observou que tanto Queiroz quanto Luis Gustavo Botto Maia, advogado de Flávio, "teriam atuado de forma sistemática para embaraçar" a investigação. Eles teriam, por exemplo, orientado diversos funcionários a não comparecer quando convocados pelo MP a prestar depoimento.

Flávio Itabaiana menciona, também, a periculosidade do investigado por sua influência sobre milicianos no Rio. Uma mensagem no celular de Márcia Aguiar mostra um interlocutor, não identificado, pedindo ajuda a Queiroz para que ele interceda junto a milicianos, depois de ter sido ameaçado por um grupo que domina uma região do Rio. O ex-assessor, então, respondeu que não poderia ligar para ninguém, por risco de algum telefone estar grampeado. "Isso aí eu posso ir quando estiver aí pessoalmente", disse, segundo o documento judicial.

Além disso, existe relação entre Queiroz e o miliciano Adriano da Nóbrega, denunciado no início de 2019 por suspeita de liderar um grupo de extermínio conhecido como Escritório do crime. O MP-RJ estima que o miliciano tenha transferido mais de R$ 400 mil ao policial militar aposentado. Adriano foi morto em fevereiro deste ano, em uma ação registrada como confronto contra a polícia, na Bahia.

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Plano de fuga com ajuda de miliciano

Sarah Teófilo

Luiz Calcagno

Jorge Vasconcellos

20/06/2020

 

 

OPERAÇÃO ANJO » Mensagens no celular de Márcia Aguiar, mulher de Fabrício Queiroz, mostram que ele chegou a tramar uma forma de escapar da Justiça, com colaboração de Adriano da Nóbrega

O Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) ressaltou, no pedido de prisão do policial militar aposentado Fabrício Queiroz e da esposa dele, Márcia de Oliveira Aguiar, que mensagens no celular da mulher mostravam haver "um plano de fuga organizado para toda a família do operador financeiro que contaria com a atuação do então foragido Adriano Magalhães da Costa Nóbrega". O pedido foi obtido pelo jornal O Globo.

Adriano da Nóbrega era um ex-capitão do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) do Rio, apontado como líder de um grupo miliciano. Ele foi morto, em fevereiro deste ano, numa ação registrada como confronto contra a polícia, na Bahia, onde estava escondido. Na decisão, o juiz Flávio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio, cita trechos da investigação do MP.

Segundo documento, mensagens no celular de Márcia, que foi obtido em diligência anterior, mostraram que ela foi a Minas Gerais se encontrar com Raimunda Magalhães Vera, mãe de Adriano. O encontro, em dezembro do ano passado, teve a presença de Luís Gustavo Botto Maia, apontado como advogado do senador Flávio Bolsonaro. Márcia, inclusive, enviou a Queiroz uma foto dos três juntos tomando cerveja.

Depois do encontro, eles mantiveram contato. Márcia planejava viajar do Rio para São Paulo, em 18 de dezembro, mas foi surpreendida por uma operação do MP na manhã que ia deixar o estado. Conforme apuração, Raimunda foi orientada por Queiroz a permanecer escondida, temendo a retomada da investigação, após um julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF), em novembro do ano passado — a sessão avaliava compartilhamento de relatórios do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e da Receita Federal com o MP. Foi com base em um relatório do Coaf que o MP do Rio iniciou a investigação contra Flávio e Queiroz.

 

Nomeações
As apurações apontam que a mãe de Adriano e a ex-esposa dele, Danielle Mendonça da Costa, foram nomeadas para cargos comissionados no gabinete de Flávio. No entanto, o mapa do calor do celular de Raimunda mostra que ela não estava nos arredores da Assembleia Legislativa do Rio em nenhum dia no período em que deveria exercer a função. A mulher era sócia-administradora de uma pizzaria desde 2009.

Em conversas por mensagens, às quais o MP do Rio teve acesso, a mulher e a filha de Queiroz, Nathalia Melo de Queiroz, criticavam o fato de o pai ter continuado a tentar participar da política, mesmo sendo o principal alvo da investigação contra Flávio. Nathalia disse que o pai era "burro". Por sua vez, Márcia questionou quando ele ia fechar "o c. da boca dele".

Filha mais velha de Queiroz, Nathalia é personal trainer e faz parte da equipe de Chico Salgado, o "treinador das estrelas" no Rio. Aos poucos, ela vinha "herdando" parte da cartela de clientes do chefe, que incluía os atores Bruno Gagliasso e as atrizes Bruna Marquezine e Giovanna Lancellotti.

Em dezembro de 2018, quando estourou o escândalo Queiroz, Nathalia viu seus alunos famosos se afastarem. A perda de Gagliasso foi a que mais a incomodou. Há cerca de oito meses, inconformada, fez chegar ao clã Bolsonaro a mensagem de que estava com a vida arruinada e de que ela e o pai tinham sido "usados" pela família do presidente.

O relatório do Coaf, que baseou a Operação Furna da Onça, mostrou que, ao longo de 2016, quando ainda constava como assessora de Flávio na Alerj, a filha de Queiroz repassou ao pai R$ 97,6 mil. A personal trainer, no entanto, diz a amigos que nunca colocou "um centavo no bolso".

As ameaças de Nathalia repercutiram de tal maneira que a família do presidente precisou enviar uma "força-tarefa" para acalmá-la na casa dela, em Oswaldo Cruz, zona norte do Rio — atualmente, está morando na Barra da Tijuca. Pelo menos um funcionário do gabinete de Flávio estava nesse grupo.

Ao contrário da mãe, a personal trainer não foi alvo de ordem de prisão nem intimada a depor. Por conhecer bem a instabilidade emocional da filha, Queiroz espera que isso nunca venha a acontecer.