Correio braziliense, n. 20847 , 20/06/2020. Política, p.5

 

MP: Flávio liderava esquema

Alessandra Azevedo

Sarah Teófilo

20/06/2020

 

 

OPERAÇÃO ANJO » Segundo investigações, parlamentar comandava rachadinha na Alerj, com Queiroz como operador. Defesa do filho de Bolsonaro classifica denúncias de "Cilações de alguns promotores de injustiça do Rio"

O Ministério Público do Rio de Janeiro aponta o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) como "líder" de uma organização criminosa que operava no gabinete dele, na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), quando era deputado estadual. De acordo com as investigações que levaram à prisão do ex-assessor Fabrício Queiroz, na quinta-feira, o parlamentar comandava o esquema de desvio de salário de servidores, chamado de rachadinha, e usava os valores até para quitar contas da família.

Com o dinheiro que os funcionários repassavam a Queiroz — por transferências ou depósitos bancários —, o então assessor pagou, pelo menos, duas mensalidades escolares das filhas de Flávio, que somaram R$ 6,6 mil, em 1º de outubro de 2018. Dos R$ 251,8 mil pagos à escola, só R$ 95,2 mil saíram das contas do parlamentar ou da esposa, Fernanda Bolsonaro. Outros 53 boletos, equivalentes a R$ 153,2 mil, foram quitados em dinheiro vivo, mas não têm origem definida.

O mesmo aconteceu com planos de saúde. O MP identificou que saíram das contas do casal R$ 8,9 mil dos R$ 108,4 mil gastos pela família com esse tipo de despesa. Assim como no caso das mensalidades, os outros R$ 99,5 mil, divididos em 63 boletos, foram quitados em espécie, mas não é possível saber de onde veio o dinheiro. Os procuradores apontam que Queiroz também pode ter feito os depósitos e que as datas dos pagamentos coincidem com a "rotina intensa de saques" do ex-assessor, mas a relação entre as transações não foi confirmada.

As evidências da função de Queiroz como operador financeiro na divisão de tarefas da organização criminosa são "contundentes", diz o juiz Flávio Itabaiana, na ordem de prisão do ex-assessor e da esposa dele, Márcia de Aguiar, ainda foragida. No documento, assinado na quinta-feira, o magistrado afirma que Queiroz atuava tanto na arrecadação dos valores desviados quanto na transferência à família "do líder do grupo, o então deputado estadual Flávio Bolsonaro".

Além de pagar boletos, Queiroz fazia depósitos fracionados em valores menores, em contas da família. Pelo menos um deles, de R$ 25 mil, foi para Fernanda Bolsonaro. No total, contando com o dinheiro depositado e com os boletos pagos, os repasses teriam chegado a R$ 2 milhões, apenas entre abril de 2017 a dezembro de 2018, segundo a investigação.

O ex-assessor parlamentar é apontado como operador financeiro do esquema na Alerj entre abril de 2007 e 17 de dezembro de 2018 — data, inclusive, posterior à exoneração dele, ocorrida em outubro daquele ano. Segundo investigação, pelo menos 11 dos ex-assessores do gabinete eram parentes, vizinhos ou amigos de Queiroz.

Em resposta às acusações, a assessoria de Flávio Bolsonaro afirmou, em nota, que o patrimônio dele "é totalmente compatível com seus rendimentos". Disse, ainda, que "se trata de mais uma ilação de alguns promotores de injustiça do Rio". "Isso ficará inequivocamente comprovado dentro dos autos", completou.

Conselho de Ética
Com base nas investigações do MP, parlamentares pressionam o Conselho de Ética a abrir processo de cassação contra Flávio Bolsonaro. Ontem, a Rede Sustentabilidade cobrou o presidente do colegiado, Jayme Campos (DEM-MT), que coloque em andamento a representação feita contra o senador em fevereiro pelo PSol, subscrita pelo PT e pela Rede.
Campos aguarda parecer da Advocacia do Senado e afirma que não vai pautar nenhum assunto de forma precipitada. Para o senador, a representação precisa ser avaliada de forma presencial. O conselho está parado desde o início da pandemia. A Casa trabalha de forma remota.

O líder da minoria no Senado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), protocolou, na quinta-feira, um pedido para que a análise seja feita com urgência. O requerimento reúne duas denúncias contra o senador: uma relativa ao suposto esquema de rachadinha, que levou à prisão de Queiroz, e outra, para apurar a relação do senador com o miliciano Adriano da Nóbrega, morto em fevereiro, na Bahia.