Correio braziliense, n. 20847 , 20/06/2020. Brasil, p.6

 

País bate a marca de 1 milhão de casos

Bruna Lima

Maria Eduarda Cardim

20/06/2020

 

 

Só os EUA haviam cruzado essa linha até agora. Marca no Brasil é atingida em menos de quatro meses, com explosão no acréscimo de novos infectados: são 54.771 em 24 horas. Número real de confirmações pode chegar a 8 milhões, diz pesquisa

De zero a um milhão de infectados em menos de quatro meses. Anunciado com antecedência, o novo coronavírus chegou de carona e não teve ministro da Saúde que o detivesse. Sozinho, o inimigo invisível, chamado de "gripezinha", já tirou dois gestores da pasta e 48.954 vidas. Com um novo recorde, ontem, mais 54.771 registros entraram para o balanço do Ministério da Saúde, somando 1.032.913 de casos confirmados para covid-19. O montante, segundo estudiosos, está longe de ser a realidade do país, que sofre com a defasagem de testes para diagnosticar o vírus.

O número de mortes diárias é superior a 1,2 mil pelo quarto dia consecutivo — 1.206 fatalidades em 24 horas. Enquanto a média de óbitos se mantém, o mesmo não ocorre em relação aos infectados. Mesmo antes de terminar a semana epidemiológica de número 25, o acumulado de novos positivos para o vírus ultrapassa o da semana anterior. São 182.399 casos, até agora, sendo que, de 7 a 13 de junho, o total fora de 177.668.

Somente São Paulo tem acumulado 211.658 casos e, sozinho, ultrapassa o total de países como o Irã (200.262), França (196.083), Alemanha (190.299), Turquia (185.245) e México (165.455). O estado também é o que registra o maior número de óbitos no Brasil: 12.232 vidas perdidas. Outras oito unidades federativas ultrapassaram a marca de mil mortes cada. São elas: Rio de Janeiro (8.595), Ceará (5.460), Pará (4.469), Pernambuco (4.102), Amazonas (2.624), Maranhão (1.645), Bahia (1.305) e Espírito Santo (1.265). Juntos, os nove estados somam 41.697 mortes, ou seja, 85,1% de todos os óbitos.

 Subnotificação
Os números, que já são altos e chamam atenção, podem ser ainda maiores por causa da subnotificação. Pesquisadores responsáveis pelas análises do portal Covid-19 Brasil, estimam que o total de infectados chega a ser quase nove vezes maior do que o revelado pelos dados oficiais, com variação entre 5,9 milhões e 8,7 milhões de confirmações pela doença.

Para se chegar a esses números, os estudiosos aplicaram uma fórmula matemática, fazendo um ajustamento da curva de casos com base no registro de óbitos, considerando o dado como sendo mais consolidado no país. "As taxas de letalidade (no Brasil e no mundo) têm variado, especialmente, pela incerteza sobre a quantidade total de pessoas infectadas, o que se dá pela falta de disponibilidade de testes de confirmação da infecção pela covid-19, produzindo discrepâncias importantes no cenário internacional e dificultando a implementação de políticas públicas para o controle da situação", diz o relatório.

No caso da estimativa mais extrema, o Brasil teria mais doentes do que o total confirmado no restante do mundo. Segundo a Universidade Johns Hopkins, o montante global chega a 8,62 milhões. Considerando a média da estimativa, o número de brasileiros infectados seria de 7,2 milhões, ou seja, três vezes maior que a soma dos Estados Unidos, primeiro país a bater um milhão de casos e que possui mais de 2,2 milhões de confirmações.

Falha no sistema
Diretor-geral da Organização Mundial de Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus destacou, ontem, que a pandemia da covid-19 continua em estágio de gravidade. Durante entrevista coletiva, ele afirmou que, apenas na quinta-feira, foram reportados à entidade mais de 150 mil novos casos da doença, um recorde diário. "Quase a metade desses casos foi reportada das Américas, com grandes números também informados no sul da Ásia e no Oriente Médio", disse a autoridade.

Mesmo assim, quinta-feira foi o dia em que o Brasil registrou acréscimo de 22.765 casos, montante abaixo da média. O motivo não foi uma diminuição de infectados, mas dificuldades relatadas por pelo menos nove secretarias de estado em colocar os novos números na plataforma on-line do Ministério da Saúde. São Paulo, por exemplo, não estava conseguindo inserir os casos leves.

Depois de dois dias enfrentando falhas para registrar a entrada de casos no sistema de notificação, a pasta confirmou mais do que o dobro de atualizações em relação ao dia anterior. De acordo com a Saúde, instabilidades no sistema e-SUS ocasionaram o problema, principalmente em São Paulo, Bahia e Rio de Janeiro. "Juntos, estes estados representaram um incremento de 27.436 casos novos em relação ao dia anterior", destacou a pasta, por meio de nota oficial.

O governo ainda explicou que existem duas formas de exportação de dados do sistema e-SUS: diretamente do aplicativo ou por meio de uma aplicação (API). "Este último utiliza tecnologia mais leve e é indicado para grandes volumes de dados, caso de secretarias estaduais de saúde e de grandes municípios. O Ministério da Saúde prontamente orientou estas localidades a usarem somente a exportação via API."

A falha já tinha sido diagnosticada, quando o secretário de Vigilância em Saúde, Arnaldo Correia, defendeu a transparência dos dados, na quinta. "Como em qualquer sistema de informação, eventualmente nós temos momentos de instabilidade. A confiabilidade, a rastreabilidade, a segurança dos dados são devidamente garantidos porque esse é o compromisso do Ministério da Saúde e da Secretaria de Vigilância em Saúde com a população brasileira", garantiu. 

Flexibilização
Na contramão dos números, ainda que se observe uma desaceleração de registros diários, o país vive uma onda de flexibilização. Sem as informações necessárias para saber quem está infectado e qual a velocidade em que a doença se espalha, a combinação de fatores pode levar o sistema de saúde a um colapso e acarretar mais mortes. "As previsões vêm sendo confirmadas e não existe plano nacional que aponte medidas para reduzir a transmissão. Estamos num momento de alta transmissão e a tendência continua sendo de novos casos e mortes. Com o afrouxamento das restrições, deve piorar", alerta o sanitarista da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) do Distrito Federal, Claudio Maierovitch.

Para ele, o plano precisa ser baseado em informações científicas, pactuado com a sociedade, e que contemple o conjunto de ações necessárias, desde a restrição de atividades até o suporte social. "Pode haver peculiaridades regionais, mas ainda é necessário que as pessoas se mantenham em casa, o que não aconteceu de verdade até agora."