Correio braziliense, n. 20847 , 20/06/2020. Economia, p.8

 

Entrevista - Tereza Cristina: "A retomada passa pela agropecuária"

Israel Medeiros*

20/06/2020

 

 

"A retomada passa pela agropecuária"

Com aumento de quase 13% nos financiamentos colocados à disposição dos produtores rurais, o Plano Safra 2020/2021, lançado nesta semana, reforça a expectativa do governo na recuperação econômica após a pandemia

Responsável pela política do governo para o campo, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, aposta na capacidade do setor agropecuário de liderar a recuperação econômica após a pandemia do novo coronavírus. Um dos motivos é o Plano de Financiamento da próxima safra agrícola, anunciado nesta semana, que teve aumentado em quase 13% o volume de recursos que será colocado à disposição dos produtores rurais. O plano trouxe, também, novidades, como uma linha de financiamento da produção de fertilizantes biológicos. Embora tenha sofrido um impacto menor do que o visto em outras atividades, a agropecuária não ficou imune à crise econômico-sanitária. Segmentos como o de hortigranjeiros foram duramente prejudicados pelo fechamento de bares e restaurantes. A pandemia afetou também as exportações de alimentos. A entrevista a seguir inaugura o CB.Agro, novo produto produzido pelo Correio, em parceria com a TV Brasília.

 

A senhora lançou nesta semana, em solenidade comandada pelo presidente Jair Bolsonaro, o Plano Safra. O que os pequenos produtores podem esperar?
O Plano Safra foi concebido em cima dos planos de investimento e de custeio dos pequenos e médios produtores rurais, que são a maior parcela da nossa agricultura. Ano passado já foi o maior Plano Safra dos pequenos e este ano conseguimos aumentar em quase 13% a quantidade de recursos.

Esse plano vem com juros menores. Quando o produtor pagará?
Depende da faixa, porque nós temos vários planos. Quem está no Pronaf, que são aqueles pequenos agricultores familiares, terá juros de 2,75% até 4% ao ano. Os médios terão 5%. Os grandes terão acima de 6% e investimentos, como compra de máquinas, chegam a 7,5%. Mas, a parcela maior é de juros entre 2,75% a 4%.

 Tem uma linha de financiamento também para os bioinsumos?
Lançamos há 15 dias uma política nacional de bioinsumos. É um segmento que está crescendo, vai trazer ganhos espetaculares para produtores e consumidores. Na soja temos, há anos, uma tecnologia que já permite a fixação de nitrogênio no solo. Isso traz uma economia e o solo fica biologicamente mais correto, trocando fertilizantes de produtos fósseis por fertilizantes biológicos. É uma grande conquista da Embrapa. Precisa ser feita uma estrutura nas propriedades, pequenas fábricas para deixar esses produtos prontos para serem aplicados nas lavouras. Algumas linhas, dentro do Plano Safra, vão financiar essas ferramentas.

Como a senhora vê o papel do setor privado no financiamento à agropecuária?
Temos um mercado muito travado, temos dificuldades com juros livres de mercado. Esse Plano Safra vai balizar outras instituições que aplicam em agropecuária para cobrar juros menores. A agricultura não parou durante a pandemia. O impulso da economia pós-coronavírus com certeza passa pelo setor, que vai ser uma opção segura para bancos e investidores. O setor mostrou para a sociedade urbana o que fazia, mas sempre ficou muito escondido. Agora, isso ficou claro para nós que vivemos na cidade e dependemos dos alimentos para viver.

O fechamento de restaurantes na pandemia atingiu o segmento de hortifrutigranjeiros. O que vem para esse setor?
Quando a pandemia chegou, montamos um grupo de acompanhamento para os setores que teriam mais problemas. Esse, por incrível que pareça, se adaptou e está dando a volta por cima. Infelizmente não são todos os produtores, mas a maioria. Nós prorrogamos as dívidas de custeio do setor para agosto. Agora em julho, os produtores podem tomar esse novo crédito para não parar as atividades. Também tivemos R$ 500 milhões em recursos novos para compras da agricultura familiar, que é o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA).

O mercado de flores foi muito afetado por causa do cancelamento de eventos. Há alguma linhaespecial para esse setor?
Eles entram na faixa em que estão inseridos, pequenos, médios ou grandes. Não conseguimos uma linha especial para eles. Estamos tentando ver se conseguimos algo específico. Eles foram atendidos, mas não na medida que precisavam.

 A pandemia pode atrapalhar as exportações brasileiras?
Pode. Vivemos em um momento novo e diferente. Tenho a certeza de que o mundo será outro após a pandemia e a exigência pela qualidade dos alimentos será maior. O ministério terá, ainda, mais responsabilidade na fiscalização dos produtos que exportamos. Esse é um papel que já temos, mas nossa responsabilidade cresce.

 E a questão da carne com os Estados Unidos? Sofreu algum revés?
Não, pelo contrário. Quando a pandemia chegou lá, eles tiveram muitos problemas com fechamento de plantas, algo muito mais acentuado do que tivemos aqui. Tomamos medidas com antecedência que mitigaram o risco para os funcionários dos frigoríficos. Temos a possibilidade de exportar mais carne para os EUA que, com frigoríficos fechados, estão importando do mundo inteiro.

 Temos como aproveitar a briga entre os EUA e a China para exportar grãos?
Na soja, chegamos quase ao limite. Do que exportamos, 88% já vão para a China. Temos olhado a agregação de valor, tentando exportar mais farelo também. Os EUA tiveram um problema muito sério porque, quando houve o fechamento, tiveram que procurar mais mercados. Não adianta produzir demais e não ter para onde mandar, ou o preço cair.

 Em relação ao Democratas, vimos o ex-ministro Mandetta percorrendo o Brasil como uma espécie de pré-campanha. A sra. é ministra do Bolsonaro, que quer se reeleger. Como a sra. encara isso?
O Mandetta é um bom quadro, mas temos, ainda, dois anos e meio pela frente antes das eleições, e estamos no meio de uma pandemia. É hora de trabalhar por uma retomada. Estou pensando no agora, em como a agricultura vai fazer essa retomada e gerar renda para os produtores rurais. Sobre política, a gente conversa lá na frente.

 Como a agricultura pode ajudar o país na geração de empregos após esta crise?
Essa é a grande preocupação do governo. A agricultura desempregou pouco e pode gerar muitos empregos. Achamos que teremos um aumento de área plantada, mas ainda estamos fazendo levantamentos. O aumento de tecnologia no campo traz a geração de mais empregos, o que é extremamente positivo.

"O setor sempre ficou muito escondido. Agora, isso ficou claro para nós que vivemos na cidade e dependemos dos alimentos para viver"

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Indústria melhora em maio, mas continua fragilizada

Simone Kafruni

20/06/2020

 

 

A indústria teve uma leve melhora em maio, mas está longe de uma recuperação consistente. Levantamento da Confederação Nacional da Indústria (CNI) mostra que os impactos da crise causada pela pandemia do novo coronavírus na atividade industrial ainda foram severos em maio, embora menos ruins do que os de abril. A análise é de que "o pior ficou para trás".

Segundo a Sondagem Industrial, divulgada ontem pela CNI, a utilidade da capacidade instalada voltou a subir, de 49% em abril para 55% em maio. "Apesar do aumento, o percentual é o segundo menor para toda a série histórica, iniciada em 2011, e se encontra 12 pontos percentuais abaixo do nível registrado no mesmo período de 2019", explicou a confederação.

O índice de evolução da produção industrial está em 43,1 pontos, 6,9 pontos abaixo da linha divisória de 50 pontos que separa queda e crescimento da produção. Em abril, essa distância era de 24 pontos. O indicador de número de empregados, atingiu 42 pontos no mês passado, oito abaixo da divisão. Em abril, essa distância alcançou 11,8 pontos. Para maio, é a segunda pior variação da série, atrás do mesmo mês de 2015, quando foi de 41,4 pontos. A evolução dos estoques foi de 48,2 para 46,2 pontos e a relação entre os efetivos e planejados de 49,8 para 47,4 pontos. 

Cenário negativo
Marcelo Azevedo, economista da Unidade de Política Econômica da CNI, ressaltou que, apesar da leve recuperação ante abril, o cenário é bastante negativo. "Aparentemente, o pior ficou para trás em abril, com dados menos negativos. A queda é um pouco menor, menos intensa e menos espalhada pela indústria. Em abril, foi generalizada", destacou.

Os poucos setores com destaque positivo continuaram os mesmos: as indústrias de farmoquímicos e farmacêuticos e de limpeza. Todas resilientes à crise porque seus produtos ajudam a combater a pandemia. "Tirando isso, todos os demais mostraram melhora no quadro, ou seja, com desempenhos menos negativos. Isso mostra que a indústria está longe de uma recuperação consistente", avaliou Azevedo.

Segundo o especialista, com maior relaxamento das medidas de isolamento nas capitais é possível que isso comece a aparecer nas atividades em junho. "A indústria tinha começado a pegar tração, começando uma recuperação. Estávamos saindo de um patamar muito baixo. Quando falamos da crise passada, foram três anos negativos — 2014, 2015 e 2016 —, agora está concentrada num período muito menor de tempo", ressaltou.

Os destaques negativos mantiveram-se os mesmos: têxtil, calçados, couros. "Produtos relacionados com o consumo das famílias. As pessoas adiaram as compras e ainda há restrições para consumi-los", explicou Azevedo.

Segundo a sondagem da CNI, os empresários seguem projetando queda de demanda, exportações, compras de matérias-primas e número de empregados nos próximos seis meses. Contudo, o pessimismo reduziu-se de forma significativa em junho — é menos intenso e disseminado que nos últimos meses. A intenção de investir segue baixa.