Valor econômico, v.21, n.5002, 18/05/2020. Política, p. A6

 

Investigadores veem pretensão política de Moro

Luísa Martins

Isadora Peron

18/05/2020

 

 

Delegados e procuradores que acompanham o inquérito sobre a suposta interferência do presidente Jair Bolsonaro na autonomia da Polícia Federal (PF) têm percebido, nas entrelinhas dos autos, um interesse do ex-ministro Sergio Moro em se desvincular politicamente de seu ex-chefe.

Desde que pediu demissão do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Moro tem sido assediado por vários partidos e incentivado a disputar a Presidência da República em 2022. Contudo, tem dito que por ora não deve se filiar a nenhuma sigla, apesar de não descartar completamente a volta à vida pública.

A defesa do ex-juiz vem insistindo no Supremo Tribunal Federal (STF) para que seja divulgada a íntegra do vídeo em que Bolsonaro admite querer interceder na corporação para obter "informações". Parte dos argumentos, entretanto, faz referência a questões meramente políticas, sem relação direta com o inquérito. O ministro Celso de Mello, relator, vai assistir hoje à gravação e só então decidir sobre o sigilo.

Chamou a atenção de investigadores a petição em que a defesa diz que somente a gravação completa é capaz de demonstrar a insatisfação de Bolsonaro com seu ex-ministro, "especialmente por este não ter apoiado a ida do presidente ao ato de 19 de abril; suas manifestações contrárias ao distanciamento social; ou suas declarações públicas de minimizar a gravidade da pandemia". Nenhum desses temas está sob investigação.

Somente no fim do texto é que os advogados citam o ponto central de discordância entre Moro e Bolsonaro: a suposta interferência do presidente na PF para sanar o seu descontentamento com os relatórios providenciados pela corporação.

Nos bastidores, o pleito do ex-ministro pelo fim do sigilo foi recebido como uma confirmação da sua concepção sobre direito penal, evidenciada durante a magistratura. Não é raro que investigadores tracem um paralelo com a divulgação, por Moro, do grampo envolvendo os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff - conversas interceptadas fora do período autorizado, justamente por não guardarem conexão flagrante com a Operação Lava-Jato.

As falas de Bolsonaro sobre a PF foram proferidas em uma reunião com ministros no Palácio do Planalto, em 22 de abril. Segundo transcrições enviadas ao STF pela Advocacia-Geral da União (AGU), ele disse que não esperaria acontecer algo com um familiar ou amigo para efetuar trocas no Rio de Janeiro.

A AGU pediu ao relator que divulgue as manifestações de Bolsonaro, exceto menções a "nações amigas", preservando as das demais autoridades. Já a Procuradoria-Geral da República (PGR) defendeu que a publicidade se restrinja ao objeto da apuração, para que esta não seja usada como "palanque eleitoral precoce".

Moro não recebeu bem o parecer. Aliados do ex-ministro consideram haver um alinhamento entre Aras e Bolsonaro e dizem que trechos picotados não oferecem o contexto geral das intenções do presidente.

Nesta semana, além da decisão de Celso de Mello sobre o sigilo, serão colhidos depoimentos de mais quatro delegados da PF: Carlos Henrique Oliveira, ex-superintendente do Rio; Cláudio Ferreira Gomes, diretor nacional de inteligência; Cairo Costa Duarte, superintendente em Minas Gerais; e Rodrigo Morais, também da unidade mineira.