O globo, n. 31707, 29/05/2020. Economia, p. 17

 

Gastos contra pandemia levam governo a rombo de R$ 93 bi em abril

Manoel Ventura

29/05/2020

 

 

Déficit é o maior da série histórica e supera todo o ano de 2019. Só medidas de combate à crise somaram quase R$ 60 bilhões 

Editoria de Arte Fonte: Tesouro Nacional

Em abril, o primeiro mês fechado com os efeitos da crise causada pelo coronavírus, o governo federal registrou um rombo de R$92,9 bilhões. Foi o pior resultado para as contas públicas em qualquer mês desde 1997, quando teve início a série histórica do Tesouro Nacional. A Organização Mundial da Saúde (OMS) só declarou a pandemia em 11 de março.

Os dados foram divulgados ontem pelo Ministério da Economia. O resultado de abril supera todo o déficit registrado em 2019, que foi de R$ 88 bilhões.

Na comparação com outros meses, em abril o governo arrecadou menos e gastou muito mais. O governo desembolsou, em abril, para todos os gastos, R$ 175 bilhões, alta de 44,7% em relação ao mesmo mês de 2019.

 DÍVIDA ATINGIRIA 93% DO PIB

Somente os gastos relacionados ao combate ao coronavírus e a seus efeitos econômicos somaram R$ 59,4 bilhões no mês passado. A Caixa Econômica Federal começou a pagar o auxílio emergencial de R$ 600, o governo transferiu recursos para estados e municípios, teve gastos maiores com a saúde e arcou com os custos do programa de financiamento da folha de pagamento das empresas.

Além disso, as receitas federais despencaram 35,6%, a R$ 82,1 bilhões. Isso se explica pelas medidas do governo para dar alívio às empresas, como o adiamento de pagamento de impostos, bem como pela desaceleração da atividade econômica.

O Tesouro destaca que, à exceção da expansão de R$ 3 bilhões do Bolsa Família, todos os programas de combate aos efeitos econômicos e sociais da Covid-19 são temporários, com execução concentrada no trimestre de abril a junho. Por isso, não haverá transferência de gastos para os próximos anos.

Em 2020, o déficit, nas projeções do governo, deve atingir R$ 700 bilhões. Esse número pressupõe que não haverá renovação dos programas de combate aos efeitos econômicos e sociais do coronavírus. Mas o próprio presidente Jair Bolsonaro já disse que irá prorrogar o auxílio emergencial por um ou dois meses, ainda que em um valor abaixo de R$ 600.

No cenário atual, a dívida pública brasileira deverá passar de 75,8% para mais de 93% do PIB, um crescimento de 17 pontos percentuais. Este patamar está muito acima da média dos países emergentes, que gira em torno de 50% a 60% do PIB.

Para o Tesouro, como o crescimento da dívida, “é imprescindível o compromisso do governo com o cumprimento do teto dos gastos nos próximos anos”. Essa regra limita o crescimento das despesas da União.

RETOMADA DAS REFORMAS

O ministério também quer “um esforço adicional” para recuperar parte da perda de arrecadação por meio de receitas extraordinárias, como, por exemplo, de concessões e de dividendos das estatais, em especial dos bancos públicos, que devem retomar a política de desinvestimentos e abertura de capital que estavam implementando antes da crise.

Para o Tesouro, o ajuste fiscal no Brasil só estará completo quando a dívida estiver em uma clara trajetória de queda. “A aprovação da agenda de reformas estruturais que ajude a aumentar o potencial de crescimento da economia será fundamental para melhorar a dinâmica da dívida/PIB no pós-crise.”

O órgão cobrou a construção de um consenso político para a retomada: “Assim, será importante que se construa o mínimo de consenso político para a retomada, ainda este ano, da agenda de reformas estruturais, que será fundamental para pagar a conta da crise em um ambiente de ajuste fiscal gradual com juros baixos.”