O globo, n. 31707, 29/05/2020. País, p. 5

 

Mourao e Heleno negam golpe; entidades reagem

Daniel Gullino

29/05/2020

 

 

Vice-presidente e ministro do GSI disseram que o Brasil não corre risco de intervenção militar, mesmo com tensão entre Poderes e declarações de Eduardo Bolsonaro sobre ruptura, criticadas pelo Congresso

 O vice-presidente Hamilton Mourão e o ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, disseram ontem que o Brasil não enfrenta a possibilidade de um golpe de Estado. Os dois generais da reserva do Exército foram questionados por jornalistas sobre uma eventual ruptura da democracia após o presidente Jair Bolsonaro e seu filho deputado federal, Eduardo Bolsonaro (PSLSP), subirem o tom em declarações contra a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes de autorizar anteontem buscas e apreensões em endereços de aliados bolsonaristas investigados em inquérito sobre campanhas de ataques contra a Corte. A postura de pai e filho foi reprovada por autoridades e instituições.

Mourão, entrevistado pela jornalista Andréia Sadi para o G1, afirmou que a tensão entre Executivo e Judiciário é reflexo de um “estresse permamente entre os Poderes” e utilizou a carreira de 46 anos como militar a fim de embasar a defesa de que não há justificativa para que as regras democráticas sejam desrespeitadas. Bolsonaro disse ontem que “ordens absurdas não se cumprem”, ao comentar a decisão de Moraes.

— Quem é que vai dar golpe? As Forças Armadas? Que que é isso, estamos no século 19? A turma não entendeu. O que existe hoje é um estresse permanente entre os Poderes. Eu não falo pelas Forças Armadas, mas sou general da reserva, conheço as Forças Armadas: não vejo motivo algum para golpe —afirmou Mourão.

Na mesma entrevista, Mourão comentou a fala de Eduardo Bolsonaro sobre a iminência de uma ruptura democrática no país. Em uma transmissão ao vivo no YouTube, o parlamentar disse anteontem que a pergunta a ser feita sobre a violação das regras do estado democrático de direito não era se aconteceria, mas quando. Eduardo dividiu a bancada da transmissão com a deputada federal Bia Kicis (PSL-DF) e o blogueiro Allan dos Santos, ambos investigados no inquérito do STF.

Eduardo voltou ontem a fazer afirmações no mesmo sentido e disse que as Forças Armadas podem colocar “um pano quente” e “zerar o jogo” antes de a democracia ser restabelecida. Ele afirmou estar parafraseando o jurista Ives Gandra da Silva Martins.

— Me poupe. Ele é deputado, ele fala o que quiser. Assim como um deputado do PT fala o que quiser e ninguém diz que é golpe. Ele não serviu Exército. Quem vai fechar Congresso? Fora de cogitação, não existe situação para isso —defendeu o vice.

CRÍTICAS DE AUTORIDADES

O chefe do GSI também afastou a ideia de uma intervenção das Forças Armadas na democracia brasileira. Augusto Heleno, no entanto, acusou a imprensa de disseminar o temor de que uma ruptura aconteça.

— Intervenção militar não resolve nada. Ninguém está pensando nisso. Não houve esse pensamento nem da parte do presidente, nem da parte de nenhum dos ministros. Isso só tem na cabeça da imprensa. A imprensa está contaminada com isso, não sei por que — disse Heleno a jornalistas, no Palácio da Alvorada.

Críticas e falas pró-democracia por parte de autoridades e instituições sucederam as declarações de Jair e Eduardo Bolsonaro.

O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse que as falas do presidente acirram o radicalismos.

— O STF vai continuar tendo apoio do Legislativo, da sociedade para continuar tomando as suas decisões de forma independente —afirmou Maia à Rádio Tupi.

O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, também se pronunciou.

“A índole ditatorial da família (Bolsonaro) continuará sendo contida pelas instituições e eles provavelmente seguirão os ‘esperneios autoritários’, sem lastro, sem argumento e principalmente sem moral”, escreveu o advogado no Twitter.

Em outra frente de reação, partidos políticos de oposição entraram com uma representação contra Eduardo no Conselho de Ética da Câmara. PSOL, Rede, PT, PDT, PCdoB e PSB defendem que o parlamentar quebrou o decoro do cargo ao ameaçar o STF. Ele já é alvo de uma ação no colegiado por sugerir a recriação do Ato Institucional número 5 (AI-5), que enrijeceu a ditadura militar em 1968.

“Quem é que vai dar golpe? As forças Armadas? (...) Estamos no século 19? A turma não entendeu”

Hamilton Mourão, vice-presidente, em entrevista na qual afastou ameaça de golpe

 “Intervenção militar não resolve nada. Ninguém está pensando nisso. (...) Isso só tem na cabeça da imprensa”

Augusto Heleno, chefe do GSI, culpando a mídia pelo temor de uma ruptura democrática