O globo, n. 31707, 29/05/2020. País, p. 4

 

O outro lado da praça

Carolina Brígido

Daniel Gullino

Marco Grillo

29/05/2020

 

 

Apos ataques de Bolsonaro, ministros formam unidade em defesa do STF

 Protagonistas de desentendimentos públicos que marcaram julgamentos nos últimos anos, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) se uniram na defesa da instituição, em meio aos ataques recebidos do presidente Jair Bolsonaro e de aliados dele. O entendimento entre os magistrados é que, apesar das agressões, não haverá uma ofensiva do governo contra a Corte. Para eles, a hora é de se concentrar nas atividades do Supremo e, ao reagir, “não se igualar” aos que os atacam.

Além das defesas públicas que têm sido feitas por ministros nos últimos dias, a próxima medida da Corte, em termos de ofensiva, pode vir de iniciativa da Procuradoria Geral da República (PGR). A PGR pediu novas diligências contra aliados de Bolsonaro no inquérito em andamento no Supremo que investiga manifestações antidemocráticas ocorridas em abril. Um desses atos, em Brasília, contou com a participação do próprio Bolsonaro. Caberá ao ministro Alexandre de Moraes autorizar ou não as medidas —que têm, entre os alvos, youtubers e influenciadores bolsonaristas.

Os ataques ao Supremo já vinham num crescente, nos últimos meses, mas se intensificaram ontem depois da ação da Polícia Federal. Por determinação da Corte, agentes cumpriram mandados de busca e apreensão e intimaram a depor aliados do presidente, no inquérito que investiga fake news e agressões a ministros do STF. Ontem, Bolsonaro criticou a ação.

— Mais um dia triste na nossa história. Mas o povo tenha certeza, foi o último dia triste — disse o presidente, acrescentando depois:

—Repito, não teremos outro dia igual ontem. Chega. Chegamos no limite. Estou com as armas da democracia na mão. Eu honro o juramento que fiz quando assumi a presidência da República.

Em crítica velada ao ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito das fake news, Bolsonaro disse que não irá admitir decisões tomadas de forma “quase que pessoal”. Moraes também suspendeu a nomeação de Alexandre Ramagem para a direção-geral da PF.

— Acabou, porra! Me desculpem o desabafo. Acabou! Não dá para admitir mais atitudes de certas pessoas individuais, tomando de forma quase que pessoal certas ações —disse ele.

O presidente voltou a negar que tentou interferir na PF e sugeriu que pode não obedecer o que considerou “ordens absurdas”.

— Nunca tive a intenção de controlar a Polícia Federal, pelo menos isso serviu para mostrar ontem. Mas, obviamente, ordens absurdas não se cumprem. E nós temos que botar um limite nessas questões.

VAGA PARA ARAS NO STF

Em outra frente,o ministro da Justiça, André Mendonça, entrou com um habeas corpus no STF em nome do ministro da Educação, Abraham Weintraub, que pode beneficiar os demais envolvidos nas investigações. Ele pede o trancamento do inquérito em relação a Weintraub e a tudo “que seja considerado resultado do exercício do direito de opinião e liberdade de expressão, inclusive crítica construtiva como é próprio ao regime democrático de governo”.

Os ataques de Bolsonaro e de aliados uniram os ministros. Se antes da pandemia havia desentendimentos frequentes na Corte, o clima hoje é de harmonia. Nos bastidores, integrantes defendem as medidas assinadas por Moraes, assim como apoiaram publicamente os atos do ministro Celso de Mello na semana passada, no inquérito que investiga se Bolsonaro interferiu indevidamente na PF.

—O clima no Supremo é de unidade — atestou um ministro, em caráter reservado.

Esse mesmo ministro duvida que haja reação do governo às decisões judiciais da Corte que atingiram aliados de Bolsonaro — apesar das declarações exaltadas do presidente no dia seguinte à operação. O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente, falou sobre a aproximação de um “momento de ruptura”.

— Não vai ter ataque nenhum (do governo). O momento agora é de trabalharmos e não darmos ouvido a essas coisas. Não dá para se igualar, os ministros precisam manter uma postura contida —afirmou o ministro.

O colega Marco Aurélio Mello concorda:

— Não há campo para retrocesso. Não passa pela minha cabeça as Forças Armadas

se engajarem em qualquer tentativa de virar a mesa. Isso está fora de cogitação.

Em meio às investigações que podem atingi-lo, Bolsonaro afirmou ontem, em transmissão em uma rede social, que a atuação do procurador-geral da República, Augusto Aras, é “excepcional” e sugeriu que ele é um bom nome a ser indicado para o Supremo caso surja uma nova vaga além das duas que já estão previstas até o fim do seu mandato presidencial.

O presidente disse que a indicação de Aras não está “prevista” para os lugares de Celso de Mello e Marco Aurélio Mello, que se aposentarão até 2021, mas colocou o procurador-geral na disputa por uma hipotética terceira vaga.

— Se aparecer uma terceira vaga, espero que ninguém ali (no STF) desapareça, mas Augusto Aras entra fortemente na terceira vaga ali. Conheci em agosto do ano passado,gostei muito dele. Está tendo uma atuação, no meu entender, excepcional, em especial nas pautas econômicas —disse.

Na transmissão, Bolsonaro voltou a criticar o inquérito para investigar a disseminação de fake news e disse que a ação é “inconstitucional”.

  “Acabou, porra! Me desculpem o desabafo. Acabou! Não dá para admitir mais atitudes de certas pessoas individuais.” 

Jair Bolsonaro, presidente da República

“Estão perseguindo gente que apoia o governo de graça. Querem tirar a mídia que eu tenho a meu favor.” 

Jair Bolsonaro, presidente da República