Valor econômico, v.21, n.5001, 15/05/2020. Política, p. A8

 

"Vou interferir", diz presidente em transcrição enviada pela AGU

Isadora Peron 

Luísa Martins

15/05/2020

 

 

Parte do conteúdo do vídeo da reunião ministerial do dia 22 de abril, que está no centro do embate entre o presidente Jair Bolsonaro e o ex-ministro Sergio Moro, veio à tona ontem, após a Advocacia-Geral da União (AGU) enviar uma manifestação ao Supremo Tribunal Federal (STF).

Segundo a transcrição entregue pelo órgão, Bolsonaro disse, no encontro, que não iria esperar "f..." alguém da sua família ou um amigo para "trocar gente da segurança nossa no Rio". Em outro trecho da transcrição, Bolsonaro afirma que vai interferir e que isso não é ameaça nem extrapolação de sua parte.

"Já tentei trocar gente da segurança nossa no Rio de Janeiro oficialmente e não consegui. Isso acabou. Eu não vou esperar f... minha família toda de sacanagem, ou amigo meu, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence à estrutura. Vai trocar; se não puder trocar, troca o chefe dele; não pode trocar o chefe, troca o ministro. E ponto final. Não estamos aqui para brincadeira."

Para a defesa de Moro, está claro que Bolsonaro se referiu, neste momento, à troca do superintendente da PF no Rio. Já para a AGU, quando o presidente fala em "segurança nossa", está se referindo à segurança presidencial, que é realizada pelo Gabinete de Segurança Institucional (GSI).

O presidente também reclama que não recebe "informações" da PF e de outros órgãos de inteligência, sendo constantemente surpreendido pelas notícias.

"Pô, eu tenho a PF que não me dá informações; eu tenho as inteligências das Forças Armadas que não têm informações; a Abin tem seus problemas, tem algumas informações, só não tem mais porque tá faltando realmente... temos problemas... aparelhamento etc.", afirmou.

"A gente não pode viver sem informação. Então essa é a preocupação que temos que ter: 'a questão estratégica'. E não estamos tendo. E me desculpe o serviço de informação nosso - todos - é uma vergonha, uma vergonha, que eu não sou informado, e não dá para trabalhar assim, fica difícil. Por isso, vou interferir. Ponto final. Não é ameaça, não é extrapolação da minha parte. É uma verdade."

No parecer que enviou ao Supremo, a AGU pediu ao ministro Celso de Mello, relator do inquérito, que retire o sigilo de todas as falas do presidente, mas que não divulgue trechos relacionados a "nações amigas" e nem manifestações de outras autoridades presentes na reunião.

Até o fechamento desta edição, a íntegra do vídeo ainda estava em segredo, por determinação "pontual e temporária" do ministro do STF. O decano reavaliaria o sigilo após examinar pareceres das partes sobre o assunto. O procurador-geral da República, Augusto Aras, deve se manifestar pela divulgação apenas dos trechos que fazem parte do objeto do inquérito.

Bolsonaro minimizou o conteúdo do vídeo. " Aqueles que acreditaram que é um xeque mate, um vídeo avassalador, vão cair do cavalo. Espero que o vídeo na íntegra não seja liberado porque tem questões de Estado, economia e coisas pessoais", disse durante sua tradicional live pelo Facebook.

Em seguida, Bolsonaro disse que os trechos que tratam das acusações feitas por Sergio Moro, seu ex-ministro da Justiça, têm cerca de 30 segundos cada, mas que ele, Bolsonaro, autoriza que sejam divulgados 20 minutos da conversa, para que seja analisado também o contexto da reunião. (colaborou Renan Truffi)