Valor econômico, v.21, n.5003, 19/05/2020. Brasil, p. A3

 

Brasil terá desempenho pior que 82% de 190 países

Arícia Martins

19/05/2020

 

 

Mesmo com queda forte do Produto Interno Bruto (PIB) em boa parte do mundo devido à crise da covid-19, o desempenho da economia brasileira no biênio de 2020 e 2021 deve ser pior que o da maioria dos países. É o que mostra levantamento do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), com base em projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI).

Considerando a estimativa mais recente do FMI de que o PIB brasileiro vai recuar 5,3% neste ano e crescer 2,9% no próximo, a retração média em cada ano seria de 1,3%. Se as expectativas do Fundo para 190 países forem confirmadas, 82% da amostra terá média de crescimento maior que a brasileira nestes dois anos. Caso as expectativas de mercado contidas no boletim Focus para o Brasil sejam comparadas às projeções do FMI para o restante das nações, o Brasil fica atrás de 77% dessas economias.

Pela mediana de projeções coletadas pelo Banco Central, que consulta aproximadamente 130 instituições, o tombo da economia deve ser de 5,1% este ano, com expansão de 3,2% no ano seguinte, o que resultaria em recuo médio anual de 1%. "As expectativas do consenso de mercado do último Focus e do FMI agora estão alinhadas", observa Marcel Balassiano, pesquisador do Ibre e autor da análise.

Na crise financeira de 2008 e 2009, o PIB do Brasil ficou praticamente estagnado em 2009, com redução de 0,1%, e deu um salto de 7,5% em 2010, destaca Balassiano, encerrando o biênio com alta média anual de 3,6%. Na época, a parcela de países que mostraram taxa de crescimento superior à brasileira foi bem menor, de 35%.

Agora, o quadro é inverso. Segundo os prognósticos do FMI, o PIB mundial vai crescer, na média, 1,3% neste ano e no próximo, enquanto o conjunto de economias emergentes deve avançar 2,7%, impulsionado pela expressiva recuperação esperada para China e Índia. O Brasil estaria mais alinhado ao desempenho previsto para o grupo de economias avançadas e o G-7, ambos com queda estimada de 1% pelo Fundo para 2020 e 2021.

Para o pesquisador, a crise de saúde atingiu o Brasil num momento em que a atividade já vinha em ritmo de reação decepcionante. Este seria um dos fatores que explicam por que o país deve mostrar redução mais significativa do PIB este ano e retomada mais frágil em relação a outros lugares. Mesmo se o país crescesse cerca de 2% este ano - conforme o mercado estimava antes da pandemia -, o período de 2011 a 2020 se encerraria com avanço anual médio de 0,8%, ressalta Balassiano.

"Já seria a pior década dos últimos 120 anos. Vínhamos em um ritmo ruim de crescimento e esta crise só ressaltou isso", disse, acrescentando que, de 1981 a 1990, período conhecido como "década perdida", o PIB subiu 1,6% ao ano. Colocando na conta a retração prevista pelo Ibre para 2020, de 5,4%, o crescimento médio desde 2011 será de somente 0,1% ao ano, destaca o economista. "Teremos uma estagnação na década."

Todos os países lidam com um nível de incerteza sem precedentes na economia devido ao novo coronavírus, uma vez que a reação da atividade depende de quanto tempo vão durar as medidas de isolamento social, diz Balassiano. Por aqui, no entanto, a situação é agravada pela crise política, outra razão que ajuda a explicar o comportamento mais fraco da economia brasileira em 2020 e 2021.

No intervalo de um mês, a mediana de estimativas do Focus para a queda do PIB brasileiro este ano passou de 3% a 5,1%, nota Balassiano. "Nesse período, a crise do coronavírus nem aumentou nem diminuiu, o processo apenas continuou. O que se acentuou bastante no último mês foi a crise política", menciona o pesquisador, citando a saída de Sergio Moro do Ministério da Justiça e o aumento de rumores sobre a possibilidade de o ministro da Economia, Paulo Guedes, também deixar o governo.

"Essa crise na política se soma à crise de saúde e piora a crise econômica", avalia Balassiano, para quem é muito difícil que a economia mostre uma retomada rápida, em formato de "V". "Mesmo que as medidas de quarentena forem flexibilizadas, não sabemos se virá retomada do consumo e dos serviços. Há muita incerteza."