Valor econômico, v.21, n.5003, 19/05/2020. Política, p. A6
Denúncia agita, mas tem pouca repercussão jurídica
Maria Cristina Fernades
19/05/2020
A denúncia feita pelo empresário Paulo Marinho de que a Polícia Federal teria segurado a Operação Furna da Onça (que apurou desvios em gabinetes na Assembleia Legislativa do Rio) para não afetar a candidatura do senador Flávio Bolsonaro atiçou a oposição, mas hoje tem mais potencial para aumentar o isolamento político do presidente Jair Bolsonaro do que de provocar uma ação penal ou eleitoral que afete a si ou a seu filho senador.
Na Justiça Eleitoral, o prazo para uma ação se esgota 15 dias depois da diplomação do eleito, o que aconteceu em dezembro de 2018. Depois disso, esclarece Henrique Neves, ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral e hoje advogado, não há mais nada a ser feito no âmbito da Justiça Eleitoral em relação à denúncia publicada ontem pelo jornal "Folha de S.Paulo".
A defesa do senador Flávio Bolsonaro também tem a seu favor a nota divulgada pelo relator da ação que autorizou a Operação Furna da Onça. O desembargador Abel Gomes informou que a operação, dirigida a ocupantes de cargos eletivos, como Flávio e outros deputados da Assembleia Legislativa do Rio, não deveria ser deflagrada em período eleitoral, "visto que poderia suscitar a ideia de uso político de uma situação que era exclusivamente jurídico-criminal".
O desembargador do Tribunal Regional Federal da 2ª Região cuidou ainda de dividiu a responsabilidade pelo adiamento: "Tratou-se de precaução lídima, lógica e correta das autoridades envolvidas na persecução penal: a Justiça Federal, o Ministério Público Federal e a Polícia federal".
Se comprovado o vazamento da operação por um agente da Polícia Federal, como denunciou Paulo Marinho, restaria uma ação de advocacia administrativa, crime do agente público que toma uma decisão em seu próprio interesse, mas, neste caso, o fato teria acontecido na gestão anterior, durante o governo Michel Temer. Em nota, a Polícia Federal informou que já houve inquérito para apuração de notícia anterior de vazamento e que novo procedimento seria aberto para apuração de eventual desvio de conduta.
Restaria então a via parlamentar do desgaste político. Os partidos de oposição começaram a colher assinaturas para a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar a acusação feita pelo empresário, que é suplente de Flávio Bolsonaro e pré-candidato a prefeito do Rio pelo PSDB.
Pelo Twitter, o líder da minoria na Câmara, José Guimarães (PT-CE), o líder do PSB na Casa, Alessandro Molon (PSB-RJ), e as duas principais lideranças do Psol no Congresso, o deputado Marcelo Freixo (RJ) e o senador Randolfe Rodrigues (AP), além do candidato do PT à Presidência em 2018, Fernando Haddad, defenderam a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar o caso e o denunciaram como fraude eleitoral.
Até hoje, no entanto, os senadores não conseguiram dar seguimento à cassação do mandato de Flávio Bolsonaro no Senado, tentada desde o início da legislatura. Com a entrega do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) para o PL do ex-deputado Valdemar Costa Neto, publicada no "Diário Oficial da União" de ontem, o presidente amarrou, em mais um ponto, sua rede de proteção parlamentar.