O globo, n. 31710, 01/06/2020. País, p. 4

 

Choque de posições

01/06/2020

 

 

Grupos a favor e contra Bolsonaro entram em confronto no Rio e SP 

FÁBIO VIEIRA/FOTORUAEm São Paulo. Policiais e manifestantes pró-democracia entraram em confronto na Avenida Paulista, ontem, próximo ao Museu de Arte de São Paulo; segundo PM, houve tentativa de furar bloqueio

 O primeiro domingo em que manifestantes a favor e contra o presidente Jair Bolsonaro se encontraram nas ruas de Rio e São Paulo teve bate-bocas, agressões e ações das polícias militares estaduais. Nas duas cidades, a novidade ficou por conta da presença de torcidas organizadas de times de futebol que levantam bandeiras antifascistas. No Rio, o confronto entre os grupos ocorreu na Praia de Copacabana, na Zona Sul da cidade. Já em São Paulo, os protestos ocuparam a Avenida Paulista, na região central.

Na capital paulista, torcedores de Corinthians, Palmeiras e São Paulo, junto com outros grupos de esquerda, chegaram à avenida no início da tarde com bandeiras rubro negras do antifascismo e se concentraram em frente ao Museu de Arte de São Paulo (Masp). Vestindo roupas pretas e brancas, os manifestantes entoaram gritos pela democracia e contra o presidente. Já os bolsonaristas, por sua vez, portavam as habituais bandeiras do Brasil e seguravam também cartazes contra o Supremo Tribunal Federal (STF). Eles ficaram concentrados próximo ao Shopping Cidade São Paulo.

A confusão começou por volta das 13h30m. Policiais da tropa de choque da PM chegaram ao local e lançaram bombas para dispersar o trecho da avenida entre os dois grupos. Em seguida, houve um princípio de briga entre os militantes. Meia hora depois, a situação se agravou quando a tropa de choque começou a reprimir a manifestação antifascista com mais violência. A Avenida Paulista virou um cenário de guerra, com cápsulas de bombas e destroços pelo chão. Os manifestantes revidaram lançando pedras e garrafas na polícia.

Do outro lado,apoiadores do presidente se mantiveram aglomerados em frente ao shopping, carregando cartazes contra o governador de São Paulo, João Doria (PSDB). Havia também mensagens a favor de uma intervenção militar e da instituição de um regime monarquista. Após o confronto com a polícia, princípios de brigas continuaram ocorrendo entre os grupos.

À tarde, o secretário-executivo da PM de São Paulo, Coronel Camilo, chegou a dizer, em entrevista à CNN Brasil, que o conflito teria sido motivado 

por causa de uma “bandeira neonazista” de um apoiador de Bolsonaro. Mais tarde, em entrevista ao GLOBO, ele recuou sobre a bandeira ter sido o estopim da confusão, mas disse que houve provocações de bolsonaristas.

—Quando chegou a primeira informação disseram que eles também estavam com bandeiras. Isso eu não consegui confirmar. Confirmei que essas pessoas foram lá, teve provocação e, além de bateboca, essas pessoas se envolveram em agressões físicas — afirmou Camilo, que defendeu a atuação da PM.

No Rio, membros da torcida organizada do Flamengo “Fla Antifascista” se aproximaram do local onde bolsonaristas faziam protestos na Praia de Copacabana às 9h e houve agressões verbais entre os dois grupos. A Polícia Militar utilizou spray de pimenta e gás lacrimogênio para dispersar os torcedores. Cerca de uma hora depois, foi a vez de um protesto por igualdade racial chegar próximo ao grupo bolsonarista. Desta vez, a confusão foi maior, com trocas de socos. A polícia intercedeu novamente. Duas pessoas foram detidas, segundo a Polícia Militar.

DEPUTADOS DEFENDEM ATOS

Deputados federais bolsonaristas defenderam os atos. Filipe Barros (PSL-PR) elogiou a ação da PM paulista em formar cordões de isolamento entre os manifestantes contra e pró-Bolsonaro. Já Luiz Philippe de Orléans e Bragança (PSL-SP) atribuiu a violência aos grupos antifascistas.

— Até agora não havia problema de violência de manifestantes coma Polícia Militar. Os manifestantes da Lava-Jato, bolsonaristas, de movimentos considerados hoje de direita não tiveram problemas com a PM. Os antifascistas são proponentes de violência política —disse Orléans e Bragança.

O cientista político Mauricio Santoro, da Uerj, foi crítico à atuação das polícias militares nos atos de ontem e lembrou que Bolsonaro mantém laços de apoio nestas corporações em vários estados do país. Na sua avaliação, este é um risco maior do que de uma intervenção das Forças Armadas.

— Bolsonaro vem cortejando as PMs há muito tempo, numa aliança que foi negligenciada por suas forças de oposição. Esta polícia com uma inclinação pró-Bolsonaro pode se tornar um fator de tensão gigantesco nas próximas semanas. O que vimos hoje (ontem) é um aperitivo do que pode acontecer—alerta. 

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A rua não tem dono

Míriam Leitão

01/06/2020

 

 

Não existe o dono da rua. O presidente Jair Bolsonaro se comportava como se a rua fosse dele. O que este domingo mostrou é que o país tem várias vozes. As que o apoiam estão se aproximando perigosamente do que há de pior na extrema direita, o movimento supremacista branco. A manifestação de ontem à noite em frente ao STF, com pessoas de máscara branca, tochas e formação paramilitar, ainda que pequena, trouxe de volta a lembrança do racismo extremo da Ku-Klux-Klan. 

Neste domingo Bolsonaro voltou a usar os símbolos das Forças Armadas, de helicóptero da Força Aérea à cavalgada ao lado da Polícia Militar, participou de manifestações, nas quais minutos antes, entoava-se que a “toga vai virar pano de chão”. Nos últimos meses, sempre que foi aconselhado pelos seus ministros a não incentivar nem participar de manifestações, Bolsonaro respondeu: “eu só tenho as ruas”. 

As ruas pareciam unânimes porque os que discordam do presidente estão tentando respeitar as normas de segurança de não fazer aglomeração para não espalhar ainda mais o coronavírus. O presidente se aproveitou desse afastamento forçado e estimulou seus apoiadores. A cada domingo, Bolsonaro se apresenta em frente ao Planalto para receber os abraços de manifestantes que gritam palavras de ordem, ou carregam faixas, contra o STF ou o Congresso. Até ontem, nada havia em sentido contrário, exceto o bater de panelas nas janelas das pessoas em quarentena. 

O protesto pro-democracia deste domingo nasceu convocado por torcidas de futebol. É como se as panelas estivessem cansadas de ficar apenas nas janelas e fossem para a rua para mostrar que a democracia tem seus defensores também. 

É espantoso que em plena pandemia o presidente Jair Bolsonaro tenha acirrado a divisão na sociedade brasileira a ponto de produzir o que não é recomendável para nenhum dos dois lados: aglomerar-se. O vírus não conhece ideologia e vai se espalhar mais, independentemente de qual seja o refrão que a multidão grite. Seja do lado em que o grupo, a maioria sem máscara, gritava “democracia”, seja do outro grupo, em que que pessoas gritam slogans pro-Bolsonaro. Um líder simplesmente não faz o que Bolsonaro tem feito: aumentar as fraturas da sociedade no meio de uma tragédia sanitária, que tem como único remédio o isolamento social.