Valor econômico, v.21, n.5003, 19/03/2020. Política, p. A6

 

Bolsonaro quer ministro da Saúde alinhado e que 'aguente o tranco'

Fabio Murakawa

19/03/2020

 

 

O presidente Jair Bolsonaro não tem pressa para escolher o próximo ministro da Saúde e procura um nome alinhado a ele na questão da cloroquina e do isolamento social para ocupar o posto, que em menos de um mês teve Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich como titulares.

A recomendação para o uso do medicamento logo nos estágios iniciais da doença e uma abordagem mais permissiva em relação circulação de pessoas e ao funcionamento da economia são bandeiras de Bolsonaro que os dois ministros da Saúde que ele nomeou não compraram.

Até ontem, ainda não havia definição quanto a um substituto. Mas pessoas próximas dizem que Bolsonaro agora está convencido de que não basta ser um bom técnico na área para ocupar o posto. É preciso também defender abertamente as ideias do presidente na condução da pandemia de covid-19, a doença causada pelo coronavírus - sobretudo em relação à cloroquina e ao isolamento social.

O candidato deve ser firme e não ter medo das críticas que virão por abraçar as ideias de Bolsonaro. Nas palavras de um interlocutor do presidente, tem que "segurar o rojão e aguentar o tranco".

Ministros militares também vêm aconselhado Bolsonaro a escolher um civil para o posto. Um argumento é o de que é preciso escolher um médico renomado nacionalmente, algo que em tese não existe dentro das Forças Armadas.

Por trás desse movimento, há também a preocupação de que, com o ministério todo "fardado", os militares podem ter de arcar com a responsabilidade política pelas mortes por conta da covid-19.

A saída de Teich na sexta-feira surpreendeu o presidente e seus auxiliares mais próximos. Embora Bolsonaro e a ala mais ideológica do governo já tivessem iniciado um processo de fritura de Teich, não se esperava que o ministro desistisse tão rapidamente.

Antes de deixar o posto, o então ministro anunciou que estava preparando diretrizes junto com os secretários estaduais de Saúde sobre em que situações aplicar medidas que vão do isolamento leva até o "lockdown". A partir desse anúncio, que contraria a orientação do presidente, o bombardeio sobre ele aumentou.

Na versão de fontes do governo, não foi apenas por causa da cloroquina e do isolamento social que Teich se demitiu. Segundo essas fontes, ele "sentiu a pressão" do cargo e andava deprimido nos dias que antecederam sua saída. Integrantes da ala ideológica do governo - a que segue os preceitos do filósofo Olavo de Carvalho, outro que minimiza os efeitos da pandemia - definiram Teich como "fraco".

O secretário-executivo da pasta, general Eduardo Pazuello, permanecerá no cargo de ministro da Saúde como interino por quanto tempo for necessário. Ainda sob a gestão de Teich, Pazuello fez mais de uma dezena de nomeações e já comanda praticamente toda a parte operacional do ministério.

Pazuello também deve assinar em sua interinidade um novo protocolo do ministério, recomendando o uso da cloroquina nos estágios iniciais da doença - uma bandeira política de Bolsonaro. A medida retiraria um "bode da sala" do próximo ministro da Saúde, que assumirá com esse assunto já resolvido.

Dentre os nomes especulados estão o de Ítalo Marsili, defendido pela ala olavista. Há também quem acredite que o deputado Osmar Terra (MDB-RS) voltou ao páreo. Ele é um defensor da cloroquina e crítico do isolamento social.