Correio braziliense, n. 20849 , 22/06/2020. Cidades, p.14

 

Esplanada é palco de protestos

Sarah Peres

22/06/2020

 

 

POLARIZAÇÃO » Por mais de cinco horas, grupos a favor e contra o presidente Jair Bolsonaro ocuparam a Esplanada dos Ministérios. Cerca de 900 policiais militares garantiram a segurança e evitaram conflitos entre os rivais

A Esplanada dos Ministérios tornou-se palco de manifestações pró e contra o governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) durante a manhã e início da tarde de ontem. Em outra agenda, o chefe do Executivo federal não compareceu aos atos. O centro da capital do país dividiu-se em dois polos, para evitar confrontos entre os rivais. Mais de 900 policiais militares fizeram a segurança, sob supervisão do secretário Anderson Torres, da Segurança Pública do Distrito Federal (SSPDF).

O grupo bolsonarista ficou no lado direito da Esplanada, com concentração no Museu da República. A organização utilizou um carro de som para discursar e orientar os participantes, que seguiram até o Ministério da Saúde. No lado esquerdo, manifestantes contra o presidente encontraram-se no Teatro Nacional e estipularam o ponto final do trajeto no Ministério da Justiça e Segurança Pública. A Praça dos Três Poderes ficou fechada.

Em pouco mais de cinco horas de protestos, ocorreram dois momentos de tensão, mas que foram controlados. Em um dos casos, um bolsonarista conseguiu furar a barreira de policiais militares e chegar até a ala onde ocorria a manifestação suprapartidária. Após ele fugir para o lado direito da Esplanada, aconteceu um segundo tumulto, quando ambos grupos se atacaram verbalmente.

Contra a corrupção

Os manifestantes a favor do presidente foram ao ato vestidos com camisetas verde e amarela ou de apoio a Jair Bolsonaro. A maioria levou bandeiras do Brasil, mas teve quem empunhou bandeiras de outros países, como a dos Estados Unidos e a de Israel. A reportagem observou que algumas pessoas não usavam máscaras de proteção contra a covid-19, obrigatória em Brasília. Os discursos dos organizadores basearam-se em passagens bíblicas, no combate à corrupção e em ataques contra o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso Nacional. Além disso, tocaram músicas cristãs, rezaram o Pai Nosso e cantaram o Hino Nacional Brasileiro.

O morador de Águas Claras Gutemberg de Jesus Queiroz, 62 anos, participou do ato acompanhado da mulher, a advogada Patrícia Fernandes, 42. O casal concorda com as pautas levantadas pelos organizadores. O empresário destacou que “como povo brasileiro, apoiamos o presidente e nos posicionamos contra as ações que buscam desestabilizar o governo. O STF e a mídia vão na contramão do interesse do Brasil, que luta por melhorias. E o Bolsonaro, como patriota, é quem pode oferecer isso”.

O autônomo Ademir José Cardoso, 65, saiu de município de Gurupi (TO) apenas para integrar a manifestação de ontem. “A pandemia está atrapalhando a economia a deslanchar e, por isso, o presidente tem tomado decisões difíceis para dar um rumo ao país. Só que, no meio disso, o Supremo aparece com decisões que ferem a Constituição. Isso não está certo. Por isso, estamos aqui protestando contra as atitudes tomadas pelo STF e pelo Congresso”, explicou.

Cassação de chapa

No lado esquerdo da Esplanada, organizadores comunicavam-se com os manifestantes com megafones. Os ativistas levaram bandeiras pedindo o impeachment do presidente e com mensagens de resistência como “Profissionais de saúde em defesa da democracia e do SUS”, “Vidas negras importam” e “Contra o racismo e o fascismo”. Eles também entoaram gritos de guerra: “Recua, fascista, recua. Pelo poder popular que está na rua.”

O ato Todos pela Democracia foi planejado por integrantes de torcidas organizadas, em um movimento suprapartidário — embora houvesse algumas bandeiras de partidos políticos. Segundo Daniel Lima, um dos organizadores, “não queríamos estar na rua em um momento de pandemia, mas a ocupação recorrente de bolsonaristas dos espaços públicos, sem respeitar normas do governo, nos mostrou a necessidade de lutar. Nossa bandeira é contra o racismo, o fascismo, em solidariedade às famílias dos mais de 50 mil mortos pela covid-19 e aos profissionais de saúde.”

“Vivemos um período crítico e não temos ministros da Educação e da Saúde. Ou seja, não há políticas que visam diminuir os efeitos da pandemia no país, mesmo quando já passamos a margem de um milhão de infectados. Por isso e pelas demonstrações fascistas do presidente, é que queremos a cassação da chapa. Assim, poderemos ter novas eleições”, acrescenta Daniel Lima.

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Extremistas suspeitos de formação de milícia

22/06/2020

 

 

A Coordenação Especial de Combate à Corrupção e ao Crime Organizado (Cecor) investiga uma possível milícia privada estruturada por bolsonaristas. Na manhã de ontem, agentes da especializada, com apoio das divisões de Operações Especiais (DOE) e de Operações Aéreas (DOA) cumpriram um mandado de busca e apreensão em um acampamento dos grupos 300 do Brasil, Patriotas e QG Rural, localizado em uma chácara em Arniqueira.

Segundo apuração da Cecor, os extremistas alojaram-se em Arniqueira após deixarem a chácara no Núcleo Rural Rajadinha, região localizada entre o Paranoá e Planaltina, em maio. Na nova instalação, havia duas casas ocupadas pelos apoiadores do presidente, além de barracas armadas. O espaço era monitorado por meio de câmeras de segurança.

Integrantes dos grupos bolsonaristas são investigados pela Polícia Federal, mas também são alvos da Polícia Civil do Distri Federal (PCDF). O delegado Leonardo de Castro, chefe da Cecor, explicou que a investigação ocorre porque “houve abertura de inquéritos para apuração de crimes relacionados a bens, autoridades e moradores do DF. Há casos de ataques ao governador (Ibaneis Rocha), assim como contra jornalistas e profissionais de saúde, por exemplo”.

Por meio das investigações, os agentes da Cecor identificaram a possível formação de uma milícia privada. “Esse agrupamento tem como fim o cometimento de crimes. Pode ser que se trate de manifestantes que ultrapassaram os limites de um protesto, ou que o objetivo, específico, dos suspeitos, seja colocar em prática possíveis ataques”, esclareceu Leonardo de Castro.

Ainda segundo o investigador, a suspeita de milícia ocorre porque o grupo “organiza manobras e atos que são diferentes de uma simples associação ou organização criminosa”. Na primeira chácara ocupada pelo grupo, foram identificados aparatos e planos para treinamento paramilitar. O artigo 288-A da Constituição Federal considera ilegal “constituir, organizar, integrar, manter ou custear organização paramilitar, milícia particular, grupo ou esquadrão com a finalidade de praticar crimes”, sendo que a pena varia de quatro a oito anos de reclusão.

“Não está confirmada a formação da milícia, mas isso está sendo apurado. Se confirmado, iremos investigar os financiadores por trás de toda a ação. Também pode ocorrer o indiciamento por porte ilegal de arma de fogo, pois os próprios integrantes dos grupos afirmaram ter armamento em vídeos publicados na internet”, acrescentou o delegado Leonardo de Castro.

Na operação de ontem, participaram 30 policiais civis. Houve a apreensão de fogos de artifício, diversos manuscritos com planejamento de ações e discursos, cartazes, celulares, um facão, um cofre (que ainda será aberto) e outros materiais destinados às manifestações. Durante a ação, havia dois hóspedes na chácara. Eles foram intimados a comparecerem na Cecor para prestar depoimento nesta semana.