Correio braziliense, n. 20849 , 22/06/2020. Cidades, p.15

 

Vulneráveis e na rua

Mariana Machado

22/06/2020

 

 

Quem passa pela Asa Norte, nas proximidades da Universidade de Brasília (UnB) e do depósito de carros do Departamento de Trânsito (Detran-DF), dificilmente deixa de perceber os barracos às margens da pista. Nos locais, é comum a presença de pessoas em situação de rua. A maioria das construções improvisadas é de madeira, forrada com lonas ou sacos de lixo, para evitar a passagem do frio. Na via de acesso que liga a L4 à L2 Norte, não é raro ver, também, fogueiras que ajudem a aquecer, enquanto os termômetros chegam a marcar 12°C durante a madrugada, de acordo com informações do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet).

Mesmo em meio à pandemia do coronavírus, eles colocam cartazes com pedidos de doações e recebem, ali mesmo, alimentos ou agasalhos. Alguns usam máscaras, mas, a maioria, não. Um levantamento feito, em março, pela Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedes), identificou 1.851 pessoas em situação de rua no Distrito Federal, dos quais 98 são idosos. Kariny Alves, subsecretária de Assistência Social, vinculada à Sedes, explica que os indivíduos instalados nesses locais já são velhos conhecidos, acompanhados pelos serviços de abordagem social. “São famílias de catadores que, em sua maioria, receberam apartamentos no Paranoá Parque, mas, como o modo de subsistência sempre foi a rua, voltam para catar”, detalha.

De acordo com ela, a maioria está cadastrada junto ao Bolsa Família e/ou recebeu o auxílio emergencial do governo federal. No entanto, houve, sobretudo no primeiro mês da pandemia no DF, aumento do número de pessoas em situação de rua. “Com o fechamento total do comércio, a restrição econômica gerou várias vulnerabilidades. Quem lavava carro, era ambulante. Elas perderam a fonte de renda, aí procuram a rua, porque sabem que estamos em um país de gente generosa, e que doa”, explica Kariny.

Visando o acolhimento e amparo, o Governo do Distrito Federal (GDF) criou dois novos abrigos provisórios: um no Autódromo de Brasília e outro em Ceilândia. “São 400 vagas nesses alojamentos, mais 320 do acolhimento institucional feito pela rede parceria”, garante a subsecretária. Nos locais, as pessoas podem tomar banho, comer, lavar a roupa, além de receberem máscaras de proteção. Para conseguir a vaga, basta procurar um Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas), Centro de Referência de Assistência Social (Cras), ou Centro Pop para fazer a inscrição.

Políticas públicas

A visão de quem convive, diariamente, com esta população, no entanto, é de que as políticas sociais não são eficientes. Rogério Barba, diretor social do coletivo cultural Barba na Rua, explica que, com a pandemia, os números de pessoas vivendo nessa situação triplicaram. “Não está fácil, e vemos isso com preocupação. Todo mundo está perdendo emprego, não tem como pagar o aluguel e acaba indo para a rua”, declara.

O coletivo é conhecido por atuar levando cultura e esporte para quem não tem onde morar. Agora, eles têm trabalhado na arrecadação de alimentos e agasalhos. “A sociedade civil tem correspondido e ajudado. O problema é que o governo não tem uma política pública, hoje, que faça que o cara não venha para a rua. Elas precisam ser rediscutidas e realinhadas”, acredita.

Juvenal Araújo, subsecretário de Direitos Humanos e Igualdade Racial, da Secretaria de Justiça e Cidadania (Sejus), afirma que o órgão pretende ativar o Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento da Política para Inclusão Social da População em Situação de Rua do DF. O objetivo é fomentar a criação de políticas públicas para essas pessoas. “O principal desafio, objetivo dessa gente, é a moradia. Nós sabemos a dificuldade que é a empregabilidade. Para trabalhar, a primeira coisa que a empresa pede é comprovante de residência”, destaca Juvenal.

Convívio

Quem vive na Asa Norte nota o aumento no número de barracas. A estudante Karina Yamanishi, 23 anos, mora na Colina, conjunto residencial da UnB, e explica que muitos estão se alojando na L3, principalmente perto do parque Olhos D’Água. “Meu pai passa lá de carro quase todos os dias e disse que sempre há carros parados fazendo doações, o que deve ter aumentado por causa da quarentena”, avalia. Normalmente, esse aumento só é visto a partir de novembro, próximo ao Natal.

Com o frio que tem feito nos últimos dias, ela já separou algumas roupas para distribuir. “Fiz 'a limpa' no armário esses dias, e separei o que poderia ser útil e quentinho para deixar no carro e doar. Se a gente sente frio em casa, imagina quem fica nas ruas”, declara. “Não tenho medo deles. O medo que eu sinto é o mesmo de toda mulher, ao andar na rua, e dos cachorros quando estão em bando”, complementa a estudante.

Alguns sentem-se mais inseguros, como o contador Diego*, 34, morador da 214 norte. “Evito passar a pé, ou mesmo de carro nas proximidades. Muitos criam cavalos e burros, e esses animais ficam soltos, às vezes invadindo a pista”, reclama. Embora algumas pessoas optem por deixar os donativos diretamente nas barracas, ele prefere outras alternativas. “Existem doações mais organizadas”, argumenta.

A estudante Jéssica*, 24, conhece bem a Asa Norte, onde vive há seis anos. Ela fala do perigo que viveu na altura da Quadra 911. “Fui assaltada duas vezes, próximo à Casa do Ceará. Apesar de querer ajudar doando roupas ou brinquedos, muitas vezes eu 'largava de mão', por medo de me aproximar dessas invasões”, descreve.

* Nome fictício, a pedido dos entrevistados

Como ajudar

Campanhas do agasalho

PMDF

Até 15 de julho Doações podem ser entregues em todos os quartéis da Polícia Militar

Instituto Tocar

Doações podem ser feitas pelo telefone: 9 9979-6042. Vestimentas arrecadadas irão para o alojamento provisório instalado no Autódromo de Brasília

Campanhas de alimentos

TJDFT

Para doar alimentos, roupas e produtos de higiene, basta usar o aplicativo Doarti, desenvolvido por professores e ex-alunos da UnB, em parceria com a Rede Solidária Anjos do Amanhã e empresa Main Class

Iguatemi

Campanha Juntos somos mais fortes, parceria com o GDF, arrecada água e produtos de higiene pessoal. Postos de coleta estão disponíveis no térreo do shopping Iguatemi, das 13h às 21h