O globo, n. 31710, 01/06/2020. País, p. 6

 

Militares veem ‘excessos’ em decisões do Supremo

Vinicius Sassine

01/06/2020

 

 

Membros do governo criticam medidas individuais de ministros, mas acreditam que pleno da Corte pode abaixar fervura da crise 

 

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OSINEI COUTINHO/STF/07-11-2019STF. Fachada do Supremo Tribunal Federal: decisões monocráticas geraram incômodo entre militares do governo

 Militares da cúpula do governo de Jair Bolsonaro e que mantêm interlocução com os comandos das Forças Armadas apontam um “excesso” de decisões monocráticas do Supremo Tribunal Federal (STF) como a razão da crise institucional em curso e listam seis ordens de ministros da Corte que, segundo eles, interferiram na harmonia entre os poderes. Segundo esses militares, ouvidos pelo GLOBO sob a condição de não serem identificados, uma ampliação de decisões colegiadas sobre temas ligados ao governo poderia abaixar a fervura da crise.

Esses oficiais não costumam recorrer ao artigo 142 da Constituição, que trata das atribuições das Forças Armadas e já foi citado pelo presidente Jair Bolsonaro e por seu filho, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP). Eles preferem o artigo 2º: “São poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.”

As decisões citadas por eles são o impedimento da nomeação do delegado Alexandre Ramagem na diretoria-geral da PF; a diminuição do prazo para que ministros militares fossem ouvidos como testemunhas no inquérito da PF aberto a partir das denúncias do ex-ministro da Justiça Sergio Moro; a divulgação quase na íntegra do vídeo com a reunião ministerial de 22 de abril; o pedido de análise sobre a apreensão do celular do presidente, já descartado pela Procuradoria-Geral da República; as buscas e apreensões nas casas de apoiadores de Bolsonaro, responsáveis por espalhar e financiar fake news e campanhas de ódio; e o pedido para que o ministro da Educação, Abraham Weintraub, dê explicações sobre as agressões verbais proferidas contra ministros do STF, durante a reunião do dia 22.

As decisões sobre Ramagem e sobre o inquérito das fake news foram proferidas pelo ministro Alexandre de Moraes. As diligências relacionadas ao inquérito que investiga Bolsonaro e Moro são atribuições do decano do STF, ministro Celso de Mello. Ambos seguiram todos os ritos previstos na legislação e no regimento do próprio STF. Os ministros se tornaram alvo de ataques da militância bolsonarista.

O incômodo com as decisões monocráticas do STF levou os militares do governo a se unirem em torno de dois gestos considerados como ameaças às instituições: a nota pública do general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança

Institucional (GSI), que falou em “consequências imprevisíveis para a estabilidade nacional” em caso de apreensão do celular de Bolsonaro; e o habeas corpus movido pelo ministro da Justiça, André Mendonça, para impedir o depoimento de Weintraub. O gesto de Mendonça foi classificado como uma “aberração” por ex-ministros da Justiça e juristas. Quem faz a defesa institucional do Executivo é a Advocacia-Geral da União (AGU), instituição chefiada por Mendonça antes de substituir Moro na Justiça.

O apoio aos dois gestos teve o propósito de conferir aos atos um caráter “institucional”. Segundo esses ministros, não há impeditivos para o habeas corpus impetrado por Mendonça, embora seja inusual um ministro da Justiça ingressar com pedido do tipo.

Antes das decisões monocráticas do último mês, a ala militar já sentia incômodo com o STF, pois entende que Bolsonaro foi “tolhido”com a decisão que validou ações de isolamento social adotadas por estados e municípios no combate à pandemia.