O Estado de São Paulo, n.46228, 12/05/2020. Política, p.A6

 

‘Estadão’ vai ao STF para ter acesso a exame de presidente

Lorenna Rodrigues

Rafael Moraes Moura

12/05/2020

 

 

Jornal havia garantido na Justiça a divulgação dos testes para covid-19, mas STJ livrou Bolsonaro de revelar os resultados

O Estadão apresentou reclamação ao Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo a suspensão da decisão do presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), João Otávio de Noronha, que desobrigou o presidente Jair Bolsonaro de apresentar exames feitos para detectar o coronavírus. Após o jornal ter obtido na Justiça decisões garantindo o acesso aos laudos, Noronha atendeu, na sexta-feira, ao Palácio do Planalto e acatou recurso apresentado pela Advocacia-Geral da União, o que livrou Bolsonaro de divulgar os exames.

O Estadão argumenta que a decisão de Noronha “interrompeu a livre circulação de ideias e versões dos fatos, bloqueou a fiscalização dos atos dos agentes públicos pela imprensa e asfixiou a liberdade informativa” do jornal. A reclamação ressalta que três decisões diferentes foram favoráveis ao pleito do jornal, assim como parecer do Ministério Público Federal. “Todos eles aquiesceram ser urgente e pertinente ao interesse público o acesso à documentação escondida pela Presidência.”

O jornal recorrerá também ao próprio STJ contra a decisão monocrática de Noronha. O recurso será apreciado por um colegiado de ministros daquele tribunal. “A decisão do ministro João Otávio de Noronha ofende escandalosamente a decisão do STF na ação direta de inconstitucionalidade que tirou do mundo jurídico a Lei de Imprensa,

em 2009. Nessa decisão, houve infinitas alusões ao alcance da liberdade de imprensa e de expressão, todas descumpridas pela decisão do presidente do STJ”, afirmou o advogado do Estadão, Afranio Affonso Ferreira Neto.

A Justiça Federal de São Paulo e, posteriormente, o Tribunal Regional Federal da 3.ª Região (TRF-3) garantiram ao Estadão o direito de ter acesso aos resultados, por conta do interesse público sobre a saúde do presidente da República. A decisão de Noronha, no entanto, derrubou o entendimento da primeira e da segunda instâncias. “Agente público ou não, a todo e qualquer indivíduo garante-se a proteção a sua intimidade e privacidade, direitos civis sem os quais não haveria estrutura mínima sobre a qual se fundar o Estado Democrático de Direito”, escreveu Noronha.

Na reclamação apresentada ao STF, o Estadão lembra que Noronha antecipou sua posição sobre o tema em entrevista ao site jurídico JOTA, na quinta-feira passada e, no dia seguinte, a AGU apresentou recurso ao próprio ministro, o que contraria a Lei Orgânica da Magistratura Nacional.

Na entrevista, o presidente do STJ afirmou que “não é republicano” exigir que os documentos de Bolsonaro sejam tornados públicos. “Não é porque o cidadão se elege presidente ou e ministro que não tem direito a um mínimo de privacidade. A gente não perde a qualidade de ser humano por exercer um cargo de relevância na República”, argumentou.

O Estadão entrou com ação na Justiça depois de questionar sucessivas vezes o Palácio do Planalto e o próprio presidente sobre a divulgação do resultado do exame. Na ação, o jornal aponta “cerceamento à população do acesso à informação de interesse público”, que culmina na “censura à plena liberdade de informação jornalística”. A Presidência da República se recusou a fornecer os dados via Lei de Acesso à Informação, argumentando que elas “dizem respeito à intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas, protegidas com restrição de acesso”.

Em parecer encaminhado na quinta-feira passada ao TRF-3, o Ministério Público Federal (MPF) defendeu o direito do Estadão de ter acesso os “laudos de todos os exames” realizados por Bolsonaro, já que a informação é de interesse público.

“Embora existam aspectos da vida da pessoa que exerce o cargo de Presidente da República que podem ficar fora do escrutínio da sociedade, tradicionalmente a condição médica dos presidentes é de interesse geral uma vez que pode impactar o exercício de suas relevantes funções públicas”, escreveu a procuradora regional da República Geisa de Assis Rodrigues.

Bolsonaro disse que o resultado deu negativo, mas se recusa a divulgar os papéis. Em entrevista à Rádio Guaíba, no fim de abril, ele admitiu que “talvez” tenha sido contaminado pelo novo coronavírus. O presidente se submeteu a pelo menos dois testes para saber se foi contaminado ou não pela covid-19 – em 12 e 17 de março – e divulgou que os resultados foram negativos, mas se recusa a apresentar os exames.

'Lei de Imprensa'

“A decisão do ministro João Otávio de Noronha ofende escandalosamente a decisão do STF na ação direta de inconstitucionalidade que tirou do mundo jurídico a Lei de Imprensa, em 2009.”

Afranio Affonso Ferreira Neto

ADVOGADO DO ‘ESTADÃO’