O Estado de São Paulo, n.46230, 14/05/2020. Política, p.A11

 

Bolsonaro vê 'equívoco' em oitiva de seu ministro

Jussara Soares

14/05/2020

 

 

Após afirmar que presidente tratou de PF em reunião, Ramos retificou depoimento

Versão. Ramos, ministro da Secretaria de Governo, diz agora que não se lembra de Bolsonaro mencionar trocas na PF

O presidente Jair Bolsonaro afirmou ontem que o ministro-chefe da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, “se equivocou” ao confirmar em depoimento, no dia anterior, ter havido menção à Polícia Federal na reunião ministerial do dia 22 de abril. A versão de Bolsonaro, negando ter citado a PF no encontro, contraria também declarações do ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, que relatou ter havido citação à PF quando o presidente cobrou relatórios de inteligência.

O vídeo com o conteúdo da reunião faz parte do inquérito que apura as acusações do exministro da Justiça Sérgio Moro de que Bolsonaro tentou interferir na Polícia Federal. Os ministros Ramos, Heleno e Walter Braga Netto, chefe da Casa Civil, foram ouvidos nesse inquérito, na tarde de terça-feira.

Ramos fez duas retificações no fim do depoimento, que foi prestado no Palácio do Planalto e durou cinco horas. Questionado sobre a reunião do dia 22, o general afirmou que Bolsonaro “nominou os órgãos da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), Forças Armadas, Polícia Federal e Polícia Militar dos Estados”. A indicação ocorreu logo após ele dizer que ouviu o presidente reclamar que precisava “ter mais dados de inteligência para tomada de decisões”.

Mesmo assim, Ramos observou que Bolsonaro não citou a possibilidade de mudar o comando da PF e a superintendência do Rio. Ao reler o depoimento, porém, ele recuou e disse não se lembrar se o presidente havia mencionado que, se não pudesse substituir o diretor-geral da PF ou o superintendente, trocaria o próprio ministro.

“Ramos se equivocou. Mas, como é reunião, eu tenho o vídeo. O Ramos, se ele falou isso, se equivocou”, contestou Bolsonaro, repetindo não ter citado o termo “Polícia Federal” na reunião. Ao Estadão, Ramos disse que Bolsonaro foi “induzido ao erro” pela pergunta dos jornalistas, quando apontou equívoco em seu depoimento.

O ministro alegou que, ao falar que poderia interferir em todas as pastas, Bolsonaro citou a mudança da chefia da segurança pessoal. “Ele usou como exemplo: ‘Lá no Rio de Janeiro a minha segurança pessoal, que é do Gabinete de Segurança Institucional, se eu quisesse trocar o chefe eu trocaria. Se não resolvesse eu trocaria o ministro’. E o ministro é o general Heleno”, disse Ramos.

No depoimento à PF, no entanto, o general Augusto Heleno também disse que Bolsonaro reclamou de “escassez de informações de inteligência que lhe eram repassadas para subsidiar suas decisões, fazendo citações específicas à sua segurança pessoal” e mencionando a Abin, a Polícia Federal e o Ministério da Defesa.

Em mensagem publicada ontem no Twitter, Heleno argumentou que tornar público o inteiro teor do vídeo da reunião, com assuntos confidenciais e até secretos, para “atender a interesses políticos”, é um “ato impatriótico, quase um atentado à segurança nacional”.

O ministro do Supremo Tribunal Federal Celso de Mello deu 48 horas, contadas desde ontem, para que Moro, o procurador-geral da República, Augusto Aras, e a Advocacia-Geral da União (AGU) se manifestem sobre o levantamento do sigilo – total ou parcial – da gravação. Moro quer que a íntegra do encontro venha a público. A tendência é que Aras defenda a divulgação de apenas trechos relacionados ao inquérito.

Bolsonaro argumentou que, durante a reunião, fez apenas cobranças sobre sua “segurança pessoal” no Rio. “A Polícia Federal não faz a minha segurança pessoal. Quem faz é o GSI. O ministro é o Heleno”, afirmou Bolsonaro, dizendo não ter citado o nome de Moro nem a PF naquele encontro.

‘Família’. Segundo relatos de pessoas que assistiram ao vídeo, o presidente associou a mudança na direção da superintendência da PF no Rio à necessidade de proteger sua família. Na reunião, a superintendência fluminense da PF é chamada por Bolsonaro de “segurança do Rio”. “Não existe a palavra Polícia Federal em todo o vídeo. Não existe a palavra superintendência. Não existe a palavra investigação sobre filhos. Eu falo sobre segurança da minha família e dos meus amigos. Ou você acha que não há interesse em fazer uma maldade com filho meu?”, perguntou o presidente a jornalistas.

No Rio, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) é alvo de investigação do Ministério Público que apura suspeitas da prática de “rachadinha” em seu gabinete no período em que ele era deputado estadual. O governo também tem preocupação com inquéritos do STF que apuram a participação de aliados bolsonaristas em atos em defesa da ditadura e em divulgação de fake news.

Após a nova crise, Bolsonaro disse que não fará mais reuniões do Conselho de Governo com todos os ministros. “Eu decidi: não teremos mais reunião de ministros. Vou ter, uma vez por mês, uma reunião de ministros de manhã, (hasteamento da) bandeira nacional, um café e liberar. O resto vou tratar individualmente com cada ministro. Para evitar esse tipo de problema”, declarou. “Não vai ser (reunião) do Conselho. Vai ser um café da manhã, de 8h às 9h.” A ideia, de acordo com ele, é fazer uma confraternização. “Bater um papo, um olhar para cara do outro, trocar uma ideia, tá ok?”

GSI

“Ramos se equivocou. Mas, como é reunião, eu tenho o vídeo. O Ramos, se ele falou isso, se equivocou.”

Jair Bolsonaro

PRESIDENTE

“Ele usou como exemplo: ‘Lá no Rio de Janeiro a minha segurança pessoal, que é do Gabinete de Segurança Institucional, se eu quisesse trocar o chefe eu trocaria. Se não resolvesse eu trocaria o ministro’. E o ministro é o general Heleno.”

Luiz Eduardo Ramos

MINISTRO