Correio braziliense, n. 2050 , 23/06/2020. Economia, p.8

 

Valor de novas parcelas de auxílio deve diminuir

Simone Kafruni

Marina Barbosa

Luiz Calcagno

23/06/2020

 

 

Bolsonaro confirma prorrogação da ajuda emergencial a informais e pessoas que perderam renda durante a pandemia, mas diz que governo não tem mais como pagar R$ 600, como defendem parlamentares. Dimensão do contingente de excluídos acelera discussão sobre renda mínima

O governo estuda o que fazer depois de pagar a terceira e última parcela do auxílio emergencial de R$ 600. Ontem, o presidente Jair Bolsonaro disse que pretende prorrogar o auxílio, mas ressalvou que o Executivo não tem caixa para bancar mais parcelas de R$ 600. “O (ministro da Economia) Paulo Guedes decidiu pagar a quarta e a quinta parcelas, mas falta acertar o valor. A União não aguenta outra do mesmo montante. Por mês, nos custa R$ 50 bilhões”, disse o presidente. “Queremos atender o povo com responsabilidade. O comércio voltando a abrir, podemos ter um valor um pouco mais baixo”, afirmou.

Segundo a equipe econômica, o número de trabalhadores informais que mostraram ter direito ao benefício, os chamados “invisíveis”, superou todas as expectativas. Cerca de 64 milhões de brasileiros já foram aprovados para receber os R$ 600 e mais 2,6 milhões de cadastros seguem em análise no Ministério da Cidadania. Por isso, o orçamento saltou de R$ 98,2 bilhões para mais de R$ 151 bilhões.

Guedes e Bolsonaro já indicaram que a ideia é pagar mais duas parcelas de R$ 300 cada. Porém, a ideia não caiu bem no Congresso. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) disse que o ideal seria manter os R$ 600. Uma fonte da equipe econômica confirmou que a ideia dos R$ 300 é a mais forte, mas contou que não está descartado pagar uma só parcela de R$ 600, ou três de R$ 200.

A proposta final deve ser definida nesta semana. A discussão sobre a renda básica, contudo, não deve acabar por aí. Agora que todo o Brasil sabe da situação de vulnerabilidade de milhões de informais, o governo vai ter que rediscutir o sistema de assistência social. O que vem sendo costurado pelos ministérios da Economia e da Cidadania é um novo programa social que atenda os trabalhadores informais e contemple todos os benefícios sociais já existentes, inclusive, o Bolsa Família.

Segundo uma fonte ligada ao governo, o Renda Brasil deve facilitar a contratação dos informais e dobrar o número de brasileiros atendidos por transferências diretas de renda. O valor do novo benefício deve ser similar ao do Bolsa Família, que paga, em média, de R$ 200 para cada uma das 14 milhões de famílias cadastradas.

No entender de Cristiano Noronha, cientista político da Arko Advice, quando começou a discutir o auxílio emergencial, o governo não fazia ideia de quantas pessoas se qualificariam, não sabia quanto tempo a quarentena duraria, nem o impacto na arrecadação. “Agora, já conhece os impactos fiscais e, por isso, está propondo um valor menor. Não tem mais condições de bancar R$ 600. Como o Congresso resiste aos R$ 300, deve ficar em um valor intermediário”, estimou.

O especialista explicou que o governo está criando outros passivos — aviação, setor elétrico, estados e municípios. “Existe uma pressão por mais investimento, ao mesmo tempo em que a arrecadação está caindo. Ainda terá aumento do seguro desemprego. O governo terá que compatibilizar diversas demandas até o fim do ano”, disse.

Para o economista Roberto Luis Troster, mais importante do que a economia é o bem-estar da nação. “A questão da dívida é importante, mas pode ser solucionada de outras formas”, opinou. Já José Luís Oreiro, professor de Economia da Universidade de Brasília (UnB), acredita que a proposta do Congresso vai se sobrepor à do Ministério da Economia. “Não há possibilidade de reduzir o auxílio para R$ 300 em um momento em que as curvas de casos e de mortes estão ascendentes. É empurrar a população para uma carnificina sem precedentes”, disse.

Fernando de Aquino, coordenador da Comissão de Política Econômica do Conselho Federal de Economia (Cofecon), sustenta que, com o desemprego alto e a pandemia ainda crescente, a renovação deveria ser por mais três meses de R$ 600. “O governo tem espaço para se endividar mais, o mundo inteiro está se endividando, é uma conjuntura extraordinária”, destacou.

________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Crise eleva pressão sobre Guedes

Rosana Hessel

23/06/2020

 

 

Enquanto a atividade econômica desaba em meio à pandemia da covid-19, e processos no Judiciário avançam sobre o entorno do Planalto, o presidente Jair Bolsonaro aumentou as cobranças ao ministro da Economia, Paulo Guedes. Em busca de uma tábua de salvação de boas notícias, o presidente quer resultados mais palpáveis na área econômica.

Sem conseguir entregar o que prometeu desde a aprovação da reforma da Previdência, Guedes está ficando sem argumentos para manter o discurso otimista de retomada robusta da economia após a crise. As previsões de queda do Produto Interno Bruto (PIB) para este ano não param de serem revistas para baixo. E analistas temem que ele acabe se atropelando ao tentar acelerar as privatizações, que mal saíram do papel até antes da pandemia.

A retomada rápida prometida por Guedes está muito longe de acontecer, especialmente, porque, a curto prazo, o cenário poderá ser de muita instabilidade, com aberturas e fechamentos intermitentes dos municípios devido à falta de medidas do governo federal centralizadas e mais efetivas no combate à pandemia.

A recessão e a falta de um plano de retomada devem aumentar a pressão de Bolsonaro sobre Guedes até o fim do ano, segundo uma fonte de um banco de investimento. Resta saber se o ministro vai aguentar até lá.

“Certamente, Guedes será cobrado por resultados e para dar mais estímulos, especialmente de gasto com infraestrutura. O Centrão demandará mais presença no governo em troca de apoio à sobrevivência política de Bolsonaro. Não consigo ver na mesma equação Guedes, Centrão e militares do Planalto. Alguém está sobrando e, no caso, é o ministro da Economia”, avaliou Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados. Vale descarta avanço de reformas. “O governo Bolsonaro não terá condições políticas de fazer nenhuma mudança constitucional relevante”, pontuou.

Especialistas temem que privatizações comecem a ser feitas com o objetivo de acobertar as tensões políticas. Alberto Sogayar, sócio do L.O. Baptista Advogados, considera essa motivação equivocada. “Embora seja certo dar a liderança das privatizações ao ministro mais liberal, o governo deve ter uma agenda econômica perene”, disse.

Para Cláudio Frischtak, presidente da Inter.B Consultoria de Negócios, não existe ânimo privatista no governo. “O Executivo é extremamente fragmentado e com uma ala ideológica muito forte, que perde muito tempo em intrigas”, avaliou. Além disso, segundo ele, privatização, no Brasil, é uma agenda para uma década, não de um governo. “É dificílimo privatizar no país. Eu diria que, agora, com o Centrão, vai ser ainda mais difícil, porque estatal é fonte de poder”, ressaltou.

Frischtak ressaltou o caso da Telebras, que sempre esteve na lista de privatizações, mas voltou ao novo Ministério das Comunicações, cujo titular, Fábio Faria, é do PDS, presidido por Gilberto Kassab, ex-titular da pasta, que defende a manutenção da empresa pública.

Na opinião de Fabio Izidoro, sócio do Miguel Neto Advogados, o novo marco do saneamento, que deve ser votado no Senado esta semana, pode ser um bom começo. “Vejo o marco do saneamento como um ponto chave para destravar o setor e abrir as privatizações. Energia também é uma boa opção”, assinalou.

Segundo ele, a Eletrobras é uma grande oportunidade para o governo. Mas a proximidade com o Centrão pode dificultar a venda da estatal. “Estão dentro do pacote grandes empresas como Chesf e Furnas, e a gente sabe que alguns políticos trabalham em cima de cargos em estatais”, alertou. 

Frase

“Não consigo ver na mesma equação Guedes, Centrão e militares do Planalto. Alguém está sobrando e, no caso, é o ministro da Economia”

Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados