Título: Fraude em negócio da China
Autor: Colares, Juliana
Fonte: Correio Braziliense, 29/12/2012, Política, p. 4
Pente-fino da Advocacia-Geral da União descobre que a Antaq trocou pareceres para viabilizar a assinatura do maior contrato já feito pelo Porto do Recife com uma empresa privada. Parceria com gigante chinesa de máquinas de construção civil corre o risco de ser anulada
As irregularidades encontradas pela Corregedoria da Advocacia-Geral da União (AGU) em documentos da Procuradoria da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) põem em risco contrato firmado entre o Porto do Recife S/A e a maior fabricante de máquinas para construção civil da China. O pente-fino foi direcionado a documentos assinados por procuradores e servidores indiciados pela Polícia Federal na Operação Porto Seguro, deflagrada em 23 de novembro. O contrato entre o Porto do Recife e a Êxito, representante no Brasil da gigante chinesa XCMG, foi autorizado pela Antaq em 20 de dezembro e não havia sido citado, até agora, pelos investigadores da PF. Segundo informações da AGU, houve substituição de um parecer da Antaq contrário aos interesses da fabricante chinesa por outro, favorável. A negociação pode ser anulada.
O entendimento da equipe que conduziu o pente-fino foi que a irregularidade “eiva de nulidade o parecer jurídico produzido em substituição (ao que era contrário aos interesses comerciais da empresa do ramo de máquinas pesadas)”. E, prossegue, “contamina igualmente os atos decisórios ao seu amparo, inclusive os contratos que neles estejam fundamentados”. A possível invalidação do parecer favorável à negociação comercial pode significar a nulidade dos atos subsequentes, incluindo a resolução da Antaq que autorizou a celebração do contrato, assinada pelo então ministro dos Portos, Pedro Brito do Nascimento.
O contrato firmado com o Porto do Recife é de uso temporário de área portuária para montagem e adequação de máquinas estrangeiras às normas brasileiras. Ele ainda não começou a ser implementado. O valor não foi divulgado. Segundo dados divulgados pela Corregedoria-Geral da AGU, foi o procurador federal Eduardo da Costa Lima Machado quem assinou o parecer que foi suprimido do processo jurídico e substituído por outro. Segundo a AGU, o documento retirado do processo estabelecia restrições à contratação. Ficará a cargo da Procuradoria-Geral Federal (PGF) a instauração de procedimento administrativo disciplinar (PAD) e a apuração dos responsáveis pelas irregularidades. Para instaurar o PAD, a PGF precisa esperar que a agência reguladora encaminhe os documentos avaliados pela Corregedoria da AGU. Devido ao recesso de fim de ano, nenhum procedimento será iniciado antes de 2 de janeiro. Também cabe à PGF examinar a possível nulidade dos atos decisórios.
Não é de hoje o interesse da Êxito no Porto do Recife. Foi ela que marcou a retomada das operações de grande porte em rotas internacionais no terminal da capital pernambucana, em 2010. O desembarque de 1.233 toneladas de máquinas usadas na construção civil, em fevereiro daquele ano, representou a maior operação de carga do Porto do Recife até então. Desde aquele momento, a gigante chinesa é vista como uma das principais indutoras do desenvolvimento econômico de Pernambuco. No dia da assinatura da resolução que autorizou o contrato que está sob risco de nulidade, o presidente mundial da XCMG, Wang Min, estava em Recife. Na ocasião, foi anunciada para maio de 2014 a entrega da primeira máquina montada no Brasil pelo grupo, na fábrica que está em construção no Complexo Portuário de Suape. E os planos da gigante chinesa no Brasil não são modestos. O grupo quer fabricar no país 60% da demanda nacional por peças e componentes. A Êxito/XCMG informou que fará uma análise jurídica do caso e que, por enquanto, não vai se pronunciar. Por meio de nota, a Antaq informou apenas que “se permite a não tecer maiores considerações a respeito” e que a diretoria adotará todas as providências internas cabíveis para a apuração dos fatos tão logo a agência seja notificada.