Correio braziliense, n. 20851 , 24/06/2020. Política, p.3

 

Agentes querem ouvir Bolsonaro

Jorge Vasconcellos

24/06/2020

 

 

INTERFERÊNCIA NA PF » Corporação informa ao ministro Celso de Mello, do STF, que precisa do depoimento do presidente no inquérito sobre suposta manipulação política da instituição

A Polícia Federal informou ao ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), que precisa ouvir o presidente Jair Bolsonaro no inquérito em que ele é investigado por suposta tentativa de interferência na corporação. A comunicação foi feita em ofício assinado pela delegada Christiane Correa Machado. Recebido pelo gabinete do ministro na última sexta-feira, o documento informa que as apurações estão avançadas.

“Informo a Vossa Excelência que as investigações se encontram em estágio avançado, razão pela qual, nos próximos dias, torna-se necessária a oitiva do senhor Jair Bolsonaro, presidente da República”, diz o texto do ofício.

Embora outros ministros já tenham autorizado depoimentos por escrito, o entendimento que Celso de Mello já manifestou em outras ocasiões é que, independentemente do cargo que ocupe, investigados devem depor pessoalmente.

No último dia 29, a delegada Christiane Correa solicitou a Celso de Mello a prorrogação do inquérito por 30 dias. No dia 8, o ministro autorizou. O procurador-geral da República, Augusto Aras, concordou com o pedido da PF.

Os investigadores pediram mais prazo porque queriam aprofundar as investigações na Superintendência da PF no Rio de Janeiro, diante de suspeitas de ingerência de Bolsonaro nas direções regionais da corporação. Os agentes queriam analisar inquéritos que envolvem a família do presidente. Entre as medidas consideradas “pendentes” na investigação, naquela ocasião, a PF já previa a necessidade de ouvir o próprio Bolsonaro.

No vídeo da reunião de 22 de abril, divulgado por decisão de Celso de Mello, Bolsonaro reclamou. “Já tentei trocar gente da segurança nossa no Rio de Janeiro, oficialmente, e não consegui. E isso acabou. Eu não vou esperar f. a minha família toda, de sacanagem, ou amigos meus, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence à estrutura nossa. Vai trocar! Se não puder trocar, troca o chefe dele! Não pode trocar o chefe dele? Troca o ministro! E ponto final! Não estamos aqui pra brincadeira”, afirmou.

O primeiro a ser ouvido no inquérito foi o ex-ministro Sergio Moro, em 2 de maio. No depoimento, ele citou a reunião de 22 de abril como prova da interferência de Bolsonaro. Segundo o ex-juiz, o presidente se referia à Superintendência da PF no Rio de Janeiro. O chefe do Executivo, por sua vez, disse que fez menção à segurança pessoal dele, cuja responsabilidade é do Gabinete de Segurança Institucional.

O vídeo se tornou público em 22 de maio. Depois de ouvir Moro, a PF ainda tomou mais de 10 depoimentos, entre ministros, delegados e ex-aliados do presidente.

Acusação

A investigação foi autorizada pelo STF em 27 de abril, três dias após o então ministro da Justiça, Sergio Moro, ter anunciado a saída do cargo. Na ocasião, o ex-juiz disse que Bolsonaro interferiu na PF ao demitir o então diretor-geral da instituição, Maurício Valeixo. Bolsonaro nega a acusação. Horas antes da reunião ministerial de 22 de abril, o chefe do Executivo escreveu: “Moro, o Valeixo sai nesta semana. Isso está decidido. Você pode dizer apenas a forma. A pedido ou ex ofício”.

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Heleno enfraquece defesa do chefe

Jorge Vasconcellos

24/06/2020

 

 

O ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, informou à Polícia Federal que o presidente Jair Bolsonaro nunca teve “óbices ou embaraços” para nomear e trocar nomes da equipe de sua segurança pessoal no Rio de Janeiro ou em outro local. A declaração do ministro contradiz o argumento do chefe do Executivo de que, na reunião ministerial de 22 de abril, gravada em vídeo, suas declarações referiam-se às dificuldades na troca de sua segurança pessoal, e não sobre tentativa de mudança no comando da PF do Rio.

Em ofício enviado à corporação, Heleno informou que foram feitas duas trocas na segurança pessoal de Bolsonaro neste ano. A mais recente, em 31 de março deste ano — portanto, menos de um mês antes da reunião ministerial —, foi a substituição do diretor do Departamento de Segurança Presidencial da Secretaria de Segurança e Coordenação Presidencial. O ministro ainda afirmou que, em 2 de março também de 2020, foi trocado o chefe do Escritório de Representação, na cidade do Rio de Janeiro, da Secretaria de Segurança e Coordenação Presidencial do GSI. Essas mudanças confirmariam que Bolsonaro não tinha dificuldades para mexer na sua equipe de segurança, ao contrário do que apresentou como justificativa.

As declarações de Heleno foram prestadas no âmbito do inquérito, em tramitação no Supremo Tribunal Federal, de suposta interferência política de Bolsonaro na Polícia Federal. 

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Produtividade da PF contradiz versão

Jorge Vasconcellos

24/06/2020

 

 

Dados oficiais da PF vão de encontro aos argumentos apresentados pelo presidente Jair Bolsonaro para realizar mudanças na superintendência da corporação no Rio de Janeiro. As informações foram enviadas aos agentes pelo diretor de Investigação e Combate ao Crime Organizado da PF e incluídas no inquérito no Supremo Tribunal Federal que apura a possível interferência política do chefe do Executivo na corporação.

O empenho de Bolsonaro em trocar o comando da superintendência do Rio começou em agosto de 2019, quando ele tirou da chefia o delegado Ricardo Saadi. À época, justificou que o motivo seria a produtividade da unidade. Mas as informações enviadas pela PF mostram que, em julho de 2019, um mês antes da declaração do presidente, a superintendência do Rio teve seu melhor desempenho operacional em pelo menos 30 meses.

O indicador utilizado para isso é o Índice de Produtividade Operacional (IPO), medido a partir das “atividades de polícia judiciária desenvolvidas nas 27 superintendências regionais da Polícia Federal”, explica o documento. O indicador incorpora dados de atividades operacionais e investigativas no combate ao crime organizado, contra a ordem econômica e o sistema financeiro, tráfico de drogas e armas e lavagem de dinheiro, entre outros. A fórmula é calculada levando em conta a relação entre resultados e recursos: quanto mais resultados com menos recursos, melhor.

Ao longo de 2017, a Superintendência do Rio sempre ficou entre as últimas do país no ranking do IPO — a melhor posição foi o 21º lugar entre as 27 superintendências regionais, em janeiro daquele ano. Ao fim, amargava a 24ª posição. Em 2018, a situação melhorou, mas não muito — 8ª posição em maio. Em nenhum mês, ficou acima da 14ª posição, e chegou a ser a pior regional em fevereiro. Terminou o ano em 17º.

Em 2019, entretanto, a situação mudou já no começo do ano, com a regional ocupando a 12ª posição em fevereiro. Caiu para a 17ª em março, subiu para 11ª em abril, caiu para 15ª em junho, mas chegou ao melhor resultado desde 2017, em julho, na quarta posição. Em agosto, quando o presidente afirmou, pela primeira vez, que seria necessário trocar o comando da superintendência por uma questão de produtividade, o Rio de Janeiro tinha a 6ª superintendência mais produtiva do país.

Após a crise causada pela possibilidade de troca, o desempenho começou a piorar — foi apenas a sétima em setembro, a 18ª em outubro, a 19ª em novembro e terminou o ano como a 23ª superintendência regional em produtividade.