O globo, n.31704, 26/05/2020. País, p. 04

 

Críticas e defesa

Carolina Brígido 

Thais Arbex

André de Souza

Marco Grillo

26/05/2020

 

 

Novo presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o ministro Luís Roberto Barroso vocalizou ontem a reação do Supremo Tribunal Federal (STF) aos ataques sofridos pelo Judiciário na reunião ministerial de 22 de abril, comandada pelo presidente Jair Bolsonaro. No discurso de posse no cargo, ele disse que a Corte pode ser criticada, mas isso não pode justificar “o ataque destrutivo às instituições, a pretexto de salvá-las, depurá-las ou expurgá-las”. Ministros do Supremo ouvidos pelo GLOBO dizem que essa será a postura da Corte em relação à hostilidade, especialmente do ministro Abraham Weintraub (Educação): repúdio público, mas sem ação na Justiça, na tentativa de não piorar a crise política.

Do outro lado, o governo tenta melhorar o clima com os ministros da Corte. Preocupado com a repercussão negativa e com a destruição de pontes com o Judiciário, o ministro da Justiça, André Mendonça, procurou ao menos um ministro do Supremo para tentar amenizar a fala de Weintraub. Argumentou que não era necessário judicializar o episódio.

Além disso, o próprio presidente Bolsonaro tentou minimizar os ataques à Corte na reunião. Em nota em que nega ter interferido na PF, ele acrescentou que reafirma “compromisso e respeito com a democracia e membros dos Poderes Legislativo e Judiciário”. E pregou a harmonia: “É momento de todos se unirem. Para tanto, devemos atuar para termos uma verdadeira independência e harmonia entre as instituições da República, com respeito mútuo.”

A nota do presidente, porém, ocorre um dia depois de o próprio Bolsonaro ter publicado, em suas redes sociais, uma referência indireta ao decano do STF, ministro Celso de Mello, relator do inquérito que investiga suposta interferência do presidente na PF e autor da decisão que tornou pública a maior parte da reunião do dia 22. Bolsonaro publicou o trecho da Lei de Abuso de Autoridade que prevê prisão para quem divulgar gravações de forma indevida — ele não citou Celso de Mello, que, como relator do caso, tem a prerrogativa de decidir sobre a publicidade do vídeo.

Na reunião ministerial, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, disse: “Eu, por mim, botava esses vagabundos todos na cadeia. Começando no STF. E é isso que me choca”.

Ontem, a Polícia Federal recolheu a câmera usada pela Secretaria de Comunicação da Presidência da República para registrar a reunião em 22 de abril, para identificar se houve edição no vídeo entregue ao Supremo.

Outra reação às declarações de Weintraub na reunião ministerial foi a convocação aprovada ontem pelo Senado para que ele se explique sobre os termos que usou para se referir aos ministros do Supremo.

Ministros do Supremo consideraram os ataques de Weintraub graves, mas quatro deles ouvidos pelo GLOBO afirmam não ver necessidade de abrir inquérito para apurar a declaração. Para eles, se houve crime, a decisão de abrir investigação deve ser do procurador-geral da República, Augusto Aras.

“ARMAR COM CULTURA”

Eles julgam necessária uma defesa pública do tribunal — seja por parte do presidente, Dias Toffoli; seja nas manifestações dos próprios ministros durante julgamentos. Foi o que fez Barroso no discurso de posse na presidência do TSE, em cerimônia virtual à qual Bolsonaro estava presente:

— Só quem não soube a sombra não reconhece aluz que é viver em um Estado constitucional de direito, com todas as suas circunstâncias. Nós já percorremos e derrotamos os ciclos do atraso. Hoje, vivemos sob o reinado da Constituição, cujo intérprete final é o Supremo. Como qualquer instituição em uma democracia, o Supremo estás ujeitoà crítica pública e deve estar aberto ao sentimento da sociedade. Cabe lembrar, porém, que o ataque destrutivo às instituições, a pretexto de salvá-las, depurá-las ou expurgá-las, já nos trouxe duas longas ditaduras na República —disse Barroso.

Além desse trecho do discurso, o presidente ouvi udo ministro outras referências a medidas do governo. Barroso criticou deficiências no ensino brasileiro, dizendo que é preciso“armar o povo com educação, cultura e ciência ”. E elogiou mulheres líderes de governos estrangei rosque tomaram medidas restritivas para freara epidemia de Covid-19.

— A educação, mais que tudo, não pode ser capturada pela mediocridade, pela grosseria e por visões pré iluministas do mundo. Precisamos armar o povo com educação, cultura e ciência.

Barroso presidirá o TSE até fevereiro de 2022.

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Investigado, presidente faz visita de última hora a Augusto Aras na PGR

Daniel Gullino

26/05/2020

 

 

Investigado no inquérito que apura as denúncias de interferência política na Polícia Federal (PF) feitas pelo ex-ministro da Justiça Sergio Moro, o presidente Jair Bolsonaro resolveu ontem fazer uma visita sem agendamento prévio à Procuradoria-Geral da República (PGR), cujo titular, Augusto Aras, é o responsável pela investigação que tem o presidente como alvo. Em nota divulgada após a visita a Aras, Bolsonaro classificou as acusações de “levianas”e disse que, “por questão de Justiça, acredito no arquivamento natural do inquérito”.

O presidente compareceu à posse do novo procurador federal dos direitos do cidadão, Carlos Alberto Vilhena. Bolsonaro participava da cerimônia por videoconferência, diretamente do Palácio do Planalto, até que, no final do evento, fez um breve discurso e disse:

—Se me permite a ousadia, se me convidar, eu vou agora aí apertar a mão do nosso novo integrante desse colegiado maravilhoso —disse, aos risos, acrescentando que gostaria de “apertar a mão” de Vilhena.

Presente à cerimônia, Aras respondeu:

—Estaremos esperando Vossa Excelência com a alegria de sempre.

Bolsonaro, então, anunciou que iria: —Estou indo agora. Minutos depois, o presidente saiu do Planalto em direção à sede da PGR, que fica a cerca de três quilômetros. Lá, cumprimentou alguns dos presentes e tirou fotos. Cerca de 20 minutos depois, já havia retornado ao Planalto.

Conforme o GLOBO mostrou ontem, procuradores da equipe da PGR que estão atuando nas investigações das denúncias de Moro avaliam que as provas obtidas até o momento são suficientes para caracterizar que Bolsonaro cometeu o crime de advocacia administrativa em sua pressão para trocar postos-chave da Polícia Federal.

O crime de advocacia administrativa está previsto no artigo 321 do Código Penal e é descrito da seguinte forma: “Patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração pública, valendo-se da qualidade de funcionário”.

A análise dos procuradores é que, após ter acesso ao vídeo da reunião do conselho de ministros no último dia 22 de abril, ficou claro que Bolsonaro pressionou Moro para fazer mudanças em cargos na PF motivado por interesses pessoais.

Essa análise será transmitida a Aras, a quem cabe decidir, ao final do inquérito, se oferece denúncia contra o presidente ou se pede o arquivamento.

O procurador-geral tem sofrido críticas por uma atuação supostamente alinhada ao presidente da República. Em seu discurso na posse do novo procurador federal dos direitos do cidadão, Aras defendeu a independência entre os Poderes, mas com “harmonia”, para que não haja “caos”:

—A República Federativa do Brasil é constituída em Estado democrático de direito. Como entes autônomos, com independência. Mas, acima de tudo, com harmonia para que a independência não se transforme no caos. Porque é a harmonia que mantém o tecido social forte, unido em torno dos valores supremos da nação.