O globo, n.31705, 27/05/2020. País, p. 6

 

Deputados citaram ação da PF antecipadamente

João Paulo Saconi

Guilherme Caetano

27/05/2020

 

 

Parlamentares aliados ao presidente Jair Bolsonaro fizeram menções públicas a uma operação da Polícia Federal (PF) contra o governador do Rio, Wilson Witzel (PSC), desde a primeira quinzena de maio, ainda que a ação só tenha acontecido ontem. As declarações partiram do deputado estadual Anderson Moraes (PSL-RJ), em 13 de maio, e da deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP), na véspera da deflagração da Operação Placebo, que cumpriu mandados de busca e apreensão em endereços ligados a Witzel para aprofundar investigações sobre irregularidades na Saúde fluminense.

Witzel mencionou ontem, após a ação policial, que declarações de deputados bolsonaristas feitas nos últimos dias em redes sociais “demonstram limpidamente” que houve vazamento dos próximos movimentos da corporação. O governador nega participação no esquema de desvio de recursos destinados a compra de respiradores e construção de hospitais de campanha e diz que é alvo de uma articulação feita por Bolsonaro, seu rival político desde o ano passado.

Em transmissão ao vivo feita pela internet há quase duas semanas, Anderson Moraes disse ter certeza de que a PF bateria em breve na porta de Witzel. O debate online do qual ele participava envolvia outros deputados da base bolsonarista na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) e durou mais de duas horas: o principal tema eram as investigações do Ministério Público (MP) e da Polícia Civil sobre os contratos da Secretaria de Estado de Saúde do Rio. O vídeo foi intitulado “A hora do juiz virar réu”, em uma referência à carreira construída por Witzel na magistratura. A PF praticamente não foi mencionada durante a conversa, a não ser por Moraes. O deputado mencionou uma operação contra Witzel enquanto criticava o governador por acioná-lo judicialmente.

— Esse cara (Witzel) me botou na Justiça esta semana. Na verdade, eu fiquei sabendo, eu já tenho o número do processo, embora eu ainda não tenha sido notificado. Por calúnia e difamação. Você não tem noção do orgulho que eu tenho como político de receber um processo por calúnia e difamação. Porque eu tenho absoluta certeza, Wilson, que é muito diferente do que os processos que você vai receber. Eu tenho certeza, Wilson, que o japonês vai bater na sua porta muito antes do que você imagina — afirmou Moraes.

O “japonês” ao qual Moraes fez referência é o agente aposentado da PF Newton Hidenori Ishii, apelidado de “japonês da federal” depois de ficar conhecido por sua participação em diversas fases da Lava-Jato. Além de Moraes, a transmissão ao vivo contou com a participação dos deputados estaduais Márcio Labre, Alana Passos, Márcio Gualberto e Dr. Serginho. Todos foram eleitos pelo PSL, antigo partido do presidente. Moraes é próximo da família Bolsonaro: Rogéria, ex-mulher de Bolsonaro e mãe de três dos quatro filhos dele, trabalha como assessora no gabinete do deputado.

Procurado pelo GLOBO, Anderson Moraes Procurado disse que sua declaração “não era relativa a uma investigação específica, e sim o desejo que todo homem público pautado pela decência tem: de ver a PF batendo à porta de políticos de desonestos”. O parlamentar também afirmou que “tudo que está acontecendo já era previsível diante da série de indícios de irregularidades nos contratos emergenciais” e destacou ter sido o primeiro a denunciar irregularidades na gestão de Witzel em representações enviadas ao Tribunal de Contas do Estado (TCE) em março. Os levantamentos de dados feitos pelo deputado, segundo ele, “pautaram matérias na imprensa” sobre o tema.

ENTREVISTA NA VÉSPERA

A declaração de Moraes soma-se à entrevista que Carla Zambelli concedeu à Rádio Gaúcha anteontem, na véspera da operação. Ela afirmou que haveria operações da PF contra governadores nos próximos meses.

— A gente deve ter nos próximos meses o que a gente vai chamar, talvez, de “Covidão” ou de... não sei qual vai ser o nome que eles vão dar... mas já tem alguns governadores sendo investigados pela Polícia Federal —afirmou a parlamentar.

Depois de a fala repercutir na esteira da operação a deputada negou um suposto vazamento e afirmou que sua declaração foi baseada em informações veiculadas na mídia.

— Se eu tivesse informação privilegiada... Eu não pareço uma pessoa burra. Poderia ser, mas não sou. Eu falaria isso publicamente se eu tivesse informação privilegiada? Eu não faria isso, a menos que quisesse prejudicar (as investigações) — afirmou Zambelli em entrevista à “CNN Brasil”.

A suspeita de que Carla Zambelli tenha recebido informações privilegiadas da PF fez com que o PDT pedisse ontem para que a Procuradoria-Geral da República (PGR) investigue a deputada por tráfico de influência e advocacia administrativa. O PT já fez pedido semelhante após a atuação dela nos bastidores da demissão de Sergio Moro, ex-ministro da Justiça.