O globo, n. 31713, 04/06/2020. Especial Coronavírus, p. 9

 

Brasil testa vacina de Oxford

Rafael Garcia

04/06/2020

 

 

Dois mil voluntarios em SP e Rio receberao doses ainda em junho

Um grupo de 2 mil voluntários deve receber no Brasil, ainda neste mês, a dose de uma vacina experimental contra a Covid-19 desenvolvida pela Universidade de Oxford em parceria com a farmacêutica AstraZeneca.

Um dos motivos pelos quais o Brasil foi selecionado como local da pesquisa é o fato de a epidemia de Covid-19 ainda estar em crescimento acelerado, com 584.016 casos confirmados e 32.548 mortes até agora —1.349 delas registradas só nas últimas 24 horas, um novo recorde para o país.

A Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) coordenará o ensaio clínico com o produto no país e diz que dentro de poucos dias deve abrir seu sistema de recrutamento de voluntários. Nesta etapa, serão selecionados apenas profissionais de saúde ou trabalhadores em atividades de alta exposição ao vírus, como equipes de limpeza de hospitais e motoristas de ambulância.

O ensaio clínico em questão é um teste de fase 3(que avalia a eficácia do produto) para uma vacina criada a partir de um vírus que causa resfriado em chimpanzés. O patógeno foi alterado em laboratório e tornado incapaz de se reproduzir dentro de humanos. O que o transforma numa vacina é o fragmento de uma proteína do novo coronavírus que é incorporada a ele e atua como antígeno: faz o sistema imune se preparar para a chegada do vírus real.

TRABALHO ACELERADO

Testado em macacos resos, o imunizante batizado de ChAdOx1 teve bom efeito e conseguiu proteger os animais de pneumonia viral, ainda que não tenha impedido a infecção em si. Depois disso, passou por um estudo de fase 1 no Reino Unido, etapa que avaliou a segurança do produto. A fase 2, que avalia a capacidade da vacina de criar uma resposta imune, ainda não acabou, mas já há sinal verde para início da fase 3.

O pedido de teste clínico no Brasil foi aprovado na noite de anteontem pela Anvisa (Agência de Vigilância Sanitária), e os pesquisadores dizem que devem abrir nos próximos dias os canais de contato para começar a recrutar voluntários.

— Esse é um processo que deve ser muito rápido, e a gente pretende começar o estudo ainda neste mês, só não tenho data precisa — diz Lily Yin Weckx, médica que coordena o Crie (Centro de Referência para Imunobiológicos Especiais), unidade da Unifesp que coordenará os trabalhos. — A vacina é de dose única, então esperamos conseguir fazer a vacinação rápido.

A Unifesp articula os trabalhos para que metade dos voluntários sejam vacinados em São Paulo e metade no Rio. Ainda não foi anunciada a instituição que ajudará com os testes no Rio.

Nem todos os voluntários da pequisa receberão a vacina contra o coronavírus. Para efeito de comparação, uma parcela dos recrutados receberá a vacina antimeningite ACWY, que terá neste teste clínico um papel análogo ao de placebo.

O braço brasileiro do teste clínico será bancado pela

Fundação Lemann, entidade filantrópica do investidor Jorge Paulo Lemann. A instituição ainda não informou qual valor será repassado à iniciativa.

— É importante destacar também o papel da estrutura para ciência no país — afirma Soraya Smaili, farmacóloga e reitora da Unifesp. — Outros países também estão com pandemia avançada, mas o Brasil foi escolhido porque também tem capacidade instalada de laboratórios, profissionais, sistema público de saúde e um sistema de pesquisa e ciência de longa data.

Lily Yin Weckx afirma que espera ter um número grande de voluntários, e é possível que neste momento alguns tenham de ser rejeitados. Não está fora de cogitação, porém, uma ampliação do grupo a ser testado:

—A meta é ter um número bem maior.

QUESTÃO DE ACESSO

Apesar de o teste de fase 3 ter sido desenhado para um acompanhamento de no mínimo um ano, não é impossível que a vacina esteja disponível antes disso. Ela foi selecionada, por exemplo, por um projeto do governo americano que busca acelerar trabalhos para que um eventual produto esteja disponível ainda em 2020.

Smaili diz que o Brasil integrar um teste clínico agora ajuda o país a ter acesso ao produto no futuro, num cenário de alta demanda.

— Este é um assunto em evolução, mas nós temos boas indicações de que nós possamos ser atendidos no futuro — diz a pesquisadora. —No momento em que a vacina for registrada, licenciada, o Brasil tem grande capacidade de produção. Nós sabemos que podemos produzir rapidamente.