O globo, n. 31713, 04/06/2020. Economia, p. 16

 

TCU: milhões de filhos da classe média recebem auxílio

Gabriel Shinohara

Geralda Doca

04/06/2020

 

 

Fiscalização do tribunal encontra falha no cruzamento de dados que permitiu aprovação dos benefícios indevidos. Bolsonaro diz que pagamento de duas parcelas extras, para ‘transição gradual’, já está acertado com Paulo Guedes

 

GABRIEL DE PAIVAAuxílio de emergência.Falha. TCU diz que milhões de pessoas cadastradas não teriam direito às parcelas de R$ 600

 O ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), Bruno Dantas, afirmou ontem que milhões de filhos da classe média estão recebendo o auxílio emergencial indevidamente. Dantas é relator do processo que acompanha a implementação, pelo governo federal, do programa de auxílio.

Segundo o ministro, a fiscalização feita pelo TCU encontrou milhões de pessoas da classe média alta que conseguiram o auxílio graças a uma falha no cruzamento dos dados. No momento de verificar os pedidos, o governo não levou em conta os dependentes das pessoas que declaram o Imposto de Renda de pessoa física.

Dessa maneira, esses jovens não encontraram barreiras no pedido do auxílio, segundo o relator.

— As denúncias que não param de chegar ao meu gabinete dão conta de que milhares ou milhões de filhos de classe média alta que são dependentes de pessoas que declaram seu Imposto de Renda estão recebendo o auxílio emergencial por falta desse cruzamento elementar.

Na leitura de seu relatório, o ministro disse que já informou a situação ao Ministério da Cidadania e à Receita Federal. Segundo ele, o problema já está sendo sanado.

DESAFIOS DO PÚBLICO-ALVO

O relatório, que foi aprovado na noite de ontem por unanimidade, também mostra que a demanda das famílias pelo auxílio emergencial é o triplo da demanda pelo Bolsa Família. Segundo os dados do TCU, a despesa mensal com o auxílio emergencial é dezesseis vezes maior do que a despesa com o Bolsa Família no pré-crise.

—O primeiro grande desafio do programa é definir de forma mais segura seu público-alvo, com vistas a evitar pagamentos indevidos e, ainda tão grave, a exclusão de parte de cidadãos que continuam invisíveis para o poder público —disse o ministro.

O relatório do ministro incluía uma estimativa de que 8,1 milhões de pessoas receberam indevidamente o auxílio emergencial. A informação foi divulgada pelo jornal “O Estado de S. Paulo” e confirmada pelo GLOBO.

Dantas, no entanto, decidiu retirar essa informação do acórdão que foi aprovado pelo plenário do TCU. O ministro argumentou que o acompanhamento ainda terá novas averiguações.

— Eu deixo de acompanhar a inclusão desse achado no acórdão, pois ele ainda será objeto de averiguações nas próximas etapas desse acompanhamento, quando a equipe terá acesso a novas bases de informação e utilizará a ferramenta de tratamento de dados sem prejuízo que seja o relatório encaminhado aos órgãos.

OS SEM BENEFÍCIO

O TCU estima ainda que 13,1 milhões de pessoas que não recebem o Bolsa Família já estão no chamado Cadastro Único, que reúne os beneficiários de todos os programas sociais do governo, e teriam direito ao auxílio. No entanto, esse público somou apenas 10,8 milhões.Neste caso, o número de pessoas beneficiadas foi 2,3 milhões menor que o previsto.

O TCU também faz recomendações para que o governo aprimore os mecanismos para alcançar os chamados “invisíveis”. Segundo a Corte, 2,7 milhões de pessoas que têm direito à ajuda federal não têm acesso à internet, 734 mil não sabem ler ou escrever.

O relatório do TCU calcula que a prorrogação do pagamento integral do auxílio até dezembro elevaria o custo do programa aR $379,5 bilhões.

AJUDA ESTENDIDA

A opção de estender indefinidamente o pagamento total do auxílio está descartada, mas o governo prepara uma transição gradual.

—Temos mais uma parcela de R$ 600, depois mais duas acertadas com o Paulo Guedes. Falta definir aí o montante — disse Bolsonaro, ao chegar ao Palácio da Alvorada na noite de terça-feira.