Correio braziliense, n. 20852 , 25/06/2020. Brasil, p.8

 

Ministério admite escalada de contágio

Bruna Lima

Maíra Nunes

Maria Eduarda Cardim

25/06/2020

 

 

Após anunciar suposta estabilização de casos, governo vê curva disparar e muda discurso; especialistas culpam flexibilização. Com acréscimo de 42 mil diagnósticos e 1.185 mortes, o país tem 1,18 milhão de infectados e 53.830 óbitos

Uma possível estabilização de casos e de mortes por covid-19, sugerida pelo Ministério da Saúde na semana passada, não se confirmou. Com a nova avaliação em cima do fechamento da semana epidemiológica de número 25, a percepção foi de que o país está longe de viver um momento de tranquilidade. O país registrou, ontem, o segundo maior número de casos diários, 42.725, totalizando 1.188.631 infectados. O quantitativo nas últimas 24 horas só fica atrás do registrado em 19 de junho, quando houve uma instabilidade no sistema e os registros entraram com atraso, somando 54.771 positivos. Também foram contabilizadas mais 1.185 mortes, chegando a 53.830 vítimas no Brasil.

Em meio à onda de liberação das atividades e flexibilização do distanciamento social, o país elevou a transmissão do vírus. “A gente tinha falado, na semana anterior, que parecia que a curva tenderia a uma certa estabilização, com a diminuição dos números de casos. Mas a gente vê que, nesta semana, tivemos um aumento significativo”, avaliou o secretário de Vigilância em Saúde, Arnaldo Correia, ontem.

Em relação aos óbitos, há um novo recorde de registros semanais, contabilizando mais 7.256 mortes (ou seja, uma média de 1.037 perdas por dia). A 23ª semana era a mais fatal até então, com 7.096 óbitos. Ao ser questionado se houve um erro ou precipitação na avaliação de que o país estaria entrando em uma fase de alinhamento da curva, o secretário de Vigilância justificou: “A cada semana, a gente vai analisando os casos. É uma doença que a gente vai aprendendo com ela”.

Pelas novas análises do Imperial College de Londres, após três semanas registrando quedas nas taxas de contágio (Rt) da covid-19, o Brasil voltou a ter aumentos na circulação do vírus no território. Até então, o estudo também não indicava que o acumulado iria continuar subindo, mas, com o aumento de mortes, as taxas cresceram.

Clima

A justificativa dada pelo técnico para um novo salto de contágio foi o comportamento climático no Brasil. “Estamos vivendo, agora, uma transição entre estações. O início do inverno nas regiões Sul e Centro-Oeste coincidiu com o aumento do número de casos notificados e confirmados de covid nessas regiões. Então, a gente imagina que, aliado a isso tudo, a transição epidemiológica esteja ocorrendo no Brasil”, explicou o diretor do departamento de análise em Saúde e Vigilância, Eduardo Macário.

Especialistas apontam a tendência de flexibilização como ponto central para o novo salto. “Observamos uma sequência de flexibilizações justamente em um período que a epidemia está crescendo. E isso reflete no aumento de casos e mortes muito mais do que fatores como diferenças climáticas”, afirma o pesquisador José Alexandre Diniz Filho, professor do Departamento de Ecologia da Universidade Federal de Goiás (UFG).

O sanitarista Walter Cintra Ferreira, professor de administração hospitalar e sistemas de saúde da Fundação Getulio Vargas (FGV), também põe a culpa na reabertura das atividades econômicas. “Se a flexibilização implicar em aumento das aglomerações, na falta de cuidado com as medidas de prevenção, com o distanciamento necessário, com a higiene e com o uso das máscaras, o que podemos esperar é o aumento dos casos e dos óbitos”, pontua. O especialista ainda alerta para o fato de o Brasil não ter desenvolvido um sistema de monitoramento efetivo dos novos casos e de rastreamento de contactantes.

“Ainda que a redução da taxa de ocupação de leitos para covid-19 em algumas cidades, como São Paulo e Rio de Janeiro, possa revelar que houve resultado nas medidas tomadas até agora, a flexibilização tem mostrado vários exemplos de comportamentos de risco”, lamenta o sanitarista da FGV. Entre os exemplos estão as aglomerações em shoppings, transportes públicos, eventos sociais e praias do Brasil.

São Paulo ainda lidera os números brasileiros, com 238.822 casos e 13.352 mortes. Outros oito estados já ultrapassaram a marca de mil óbitos cada. São eles: Rio de Janeiro (9.295), Ceará (5.815), Pará (4.726), Pernambuco (4.425), Amazonas (2.710), Maranhão (1.836), Bahia (1.541) e Espírito Santo (1.463). Juntas, as nove unidades federativas somam 45.163 mortes, ou seja, 83,8% de todos os óbitos.