Correio braziliense, n. 20853 , 26/06/2020. Brasil, p.8

 

Falta medicamentos para intubar pacientes

Maria Eduarca Cardim

Bruna Lima

26/06/2020

 

 

CORONAVÍRUS » Número de infectados no país chega a 1,2 milhão, com acréscimo de 39.483 casos em 24 horas. Distante de uma estabilização de contágio, levantamento mostra que 22 unidades da federação têm estoques zerados de ao menos um insumo

Enquanto os números do novo coronavírus registrados, ontem, pelo Ministério da Saúde seguem a tendência de crescimento vista nos últimos dois dias, a falta de insumos para intubar pacientes infectados é sentida na rede pública. Segundo levantamento do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), 22 unidades da federação têm estoques zerados para ao menos um medicamento deste tipo. A indústria de medicamentos afirma que tem estoque dos produtos, mas não consegue atender a licitações de longo prazo. Com mais 39.483 infecções e 1.141 mortes, o país possui 1.228.114 brasileiros atingidos e 54.971 vidas perdidas.

Deputados federais da comissão que acompanha a resposta à covid-19 prometem questionar se distribuidores de medicamentos estão estocando produtos para vender a preços mais altos. Estado com maior número de casos e óbitos, São Paulo tem, no SUS, estoques zerados de 10 dos 22 produtos usados para intubar pacientes listados pelo Conass. Outros cinco fármacos se esgotam em menos de uma semana.

A elevação da taxa de transmissão do vírus observada por estudos internacionais e o aumento significativo de novos casos na 25ª semana epidemiológica mostram que o país parece distante de uma estabilização. Até o momento, a média dos registros diários da semana epidemiológica de número 26, que termina amanhã, confirma isso, com 32.107 casos. De acordo com o levantamento feito pelo Correio, mesmo sem os números de infectados de hoje e amanhã, a média já mostra crescimento em relação à última semana avaliada pelo governo. Entre 14 e 20 de junho, período da 25ª semana, a média de registros diários de novos casos foi de 31.009.

Especialista em Políticas Públicas e Gestão da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Leandro Safatle reforça os dados expostos ao declarar que a situação tende a se agravar. “O Brasil está, ainda, em uma situação bem complicada, porque a curva de casos ainda não está mostrando descendência. Está tendo mais de 40 mil casos novos sendo diagnosticados por dia no país. A situação tende a se agravar ainda, um pouco, porque o nosso histórico de doenças pulmonares e de vias aéreas vem aumentando, ano a ano, as mortes nesse sentido no país”, avalia.

Promessas

Uma saída para a falta de insumos nas redes pública e privada é debatida pelo menos desde o começo de junho. O Ministério da Saúde promete mediar compras de estados e municípios, abrindo uma “ata de registro de preços”, para centralizar as compras e evitar uma espécie de leilão entre os entes. Além disso, a pasta promete realizar uma busca emergencial no mercado internacional por meio de fundo rotativo da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas).

A chegada dos medicamentos, no entanto, não deve ser imediata. O assessor da Secretaria Executiva do Ministério da Saúde Alessandro Glauco afirmou, ontem, a deputados, que uma licitação ampla só será lançada daqui a duas ou três semanas.

Estados

Ao registrar 9.765 casos nas últimas 24 horas e bater o recorde pelo segundo dia consecutivo, São Paulo continua na liderança dos números brasileiros da pandemia, com 248.587 atingidos e 13.759 mortes. Apenas 34 dos 645 municípios do estado não registram infecções pelo novo vírus. A interiorização no estado é visível, já que, em apenas quatro dias, o percentual de diagnósticos fora da capital praticamente dobrou em relação ao mesmo índice da semana anterior.

Segundo os dados da Secretaria de estado da Saúde, entre os dias 14 e 20 de junho, o interior de São Paulo registrou 17.932 novas infecções, enquanto a capital confirmou 15.342 casos. O avanço da pandemia fora do município de SP foi 14,5% maior. Outros oito estados já ultrapassaram a marca de mil óbitos cada. São eles: Rio de Janeiro (9.450), Ceará (5.875), Pará (4.748), Pernambuco (4.488), Amazonas (2.731), Maranhão (1.871), Bahia (1.601) e Espírito Santo (1.463). Juntos, os nove estados somam 46.013 mortes, ou seja, 83,7% de todos os óbitos.

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Entrevista - Paulo Hoff: "Não há relaxamento sem leitos de UTI"

Israel Medeiros*

26/06/2020

 

 

O médico Paulo Hoff, profissional com reputação mundial na área de oncologia, é um observador atento da pandemia de covid-19 no país. Entrevistado do programa CB.Saúde, parceria do Correio Braziliense com a TV Brasília, ele comentou o afrouxamento da quarentena e os desafios que a doença traz ao combate ao câncer. Confira os principais trechos da entrevista.

O governo fala que fez uma testagem considerável da população, mas a ocupação de UTIs é alarmante. Como saber se um país, um estado ou uma cidade está preparados para promover uma flexibilização do isolamento?

 Em um primeiro momento, estabelecem-se medidas mais duras de distanciamento e, à medida que a situação vai ficando sob controle, é possível começar o relaxamento. A grande questão é como fazer isso. É preciso fazer uma série de avaliações, como a velocidade de disseminação, quantas pessoas estão sendo infectadas. A testagem em massa ajuda muito para ter noção da velocidade do contágio. No caso da covid-19, é impressionante, mais da metade dos pacientes precisa de UTIs  — algo muito diferente do usual. Por isso, há toda a preocupação com máquinas de ventilação. De maneira geral, não faltam leitos comuns, faltam UTIs. Então, não pode haver o relaxamento se não tiver uma disponibilidade de leitos para atender a um eventual aumento da demanda. No caso da covid-19, o tempo de permanência na UTI, geralmente, passa de um mês. É possível regionalizar as decisões de reabertura dos serviços. Em algumas regiões, os indicadores pioram, e é preciso dar um passo atrás. Isso ocorreu em outros países e pode acontecer aqui. Mas, para tanto, é fundamental a testagem.

Testes rápidos não são considerados tão confiáveis. Além disso, o país parece ter falhado na testagem em massa. Fica mais difícil tomar decisões acertadas sem uma testagem ampla e confiável?

 Os testes têm bastante confusão. Existem hoje três tipos de teste. O primeiro é o PCR, em que há a coleta de material pelo nariz. É o mais confiável, detecta se a pessoa está com o vírus naquele momento. Mas é o mais complexo de fazer em termos de infraestrutura e que possui menos disponibilidade. Os testes rápidos, aqueles feitos com uma gota de sangue, determinam, em linhas gerais, se o paciente teve exposição e se foi por muito ou pouco tempo. É mais para determinar um histórico da população do que realmente sobre o indivíduo. Tanto que se você está com suspeitas no hospital, faz o PCR. O de sorologia também só conta uma história depois que já aconteceu. É possível ver se o paciente desenvolveu resistência.

Algumas pessoas estão há três meses em casa, no isolamento. Há questionamentos se o esforço foi realmente necessário, uma vez que os números são alarmantes. O isolamento ajudou a conter a pandemia?

 No Brasil, houve um achatamento da curva. Nas regiões Norte e Nordeste, há uma dificuldade no sistema de saúde, mas no Sudeste, mesmo com todos os problemas, os hospitais não entraram em colapso. Conseguimos dar atendimento em UTIs para todos os que precisaram. Em Brasília, acontece a mesma coisa, as pessoas ficam doentes, mas o sistema consegue atendê-las e garantir que elas sobrevivam. Nós não temos, infelizmente, um tratamento que seja individualmente eficiente contra o vírus, mas temos várias medidas que melhoram as chances de o indivíduo com a doença grave sobreviver.

Para quem lida com o tratamento de câncer, que desafios a covid-19 trouxe para esse setor da medicina?

A covid-19 é um problema que está monopolizando nossa atenção e a estrutura de atendimento médico. As pessoas continuam tendo outros problemas de saúde, como problemas do coração, diabetes e câncer. Duas situações na oncologia nos preocupam. Até por estímulo nosso para o isolamento, houve uma redução de cirurgias para tratamento de câncer e quimioterapia. As pessoas deixaram de fazer tratamentos que auxiliam contra a doença a longo prazo. É algo que estamos tentando reverter. É muito importante que se continue o tratamento.

*Estagiário sob a supervisão de Andreia Castro

CBAgro

Guilherme Nastari, diretor da Datagro, é o entrevistado desta sexta-feira.

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Pandemia desacelera no AM

Renata Rios

26/06/2020

 

 

Após três meses de combate à covid-19, o Amazonas registrou queda na letalidade da doença. O estado foi um dos mais afetados pela doença no país e um dos primeiros a apresentar esgotamento do sistema de saúde. De acordo com os dados do boletim da Fundação de Vigilância em Saúde (FVS-AM), não houve registro de morte na quarta-feira. Ontem, o estado totalizava 67.267 casos e 2.731 óbitos, com acréscimo de 21 mortes em todo o estado; cinco, em Manaus.

Em um vídeo postado nas redes sociais, o governador Wilson Lima comemorou o marco de zero mortes e agradeceu a todos os profissionais da saúde.

 Entre os dados levantados pela Secretaria de Saúde do Amazonas está a queda da mortalidade da doença. Enquanto no dia 19 de abril o estado marcava 8,9% de letalidade da doença, na quarta-feira, a taxa chegou a 4,06%, menos da metade que o registrado anteriormente; e uma taxa menor que a média nacional, de 4,5%.

Médica do Hospital de Base e do Hospital do Coração, Magali Meirelles explica que a queda nos números do Amazonas pode estar relacionada com o fato de o estado ter sido um dos primeiros atingidos pela doença. “O que está claro é que a pandemia não chegou ao mesmo tempo em todos os locais. No Norte, as coisas aconteceram mais cedo que no Centro-Oeste, por exemplo, que já começa a demonstrar uma subida mais íngreme; enquanto no Amazonas, a curva começa a descer”, destaca.