Valor econômico, v.21, n.5029, 25/06/2020. Política, p. A10

 

Risco à permanência no governo faz Bolsonaro abandonar confronto

Andrea Jubé

Matheus Schuch

25/06/2020

 

 

Pressionado pelos fatos recentes que acirraram a crise política, como a prisão do ex-assessor Fabrício Queiroz, o presidente Jair Bolsonaro abandonou o estilo de confronto para adotar uma postura moderada e até cautelosa. Aliados torcem para que o novo perfil seja duradouro, mas admitem que o presidente é imprevisível e não descartam recaídas.

"A verdade é que o governo corre riscos caso a postura beligerante [do presidente] se mantenha", admitiu ao Valor um auxiliar presidencial. "Percebeu-se que a estratégia de campanha sustentada no conflito não estava funcionando na condução do governo", completou o assessor. "Campanha é uma coisa, governar é outra, as estratégias devem ser distintas".

Um senador governista diz esperar que essa nova postura seja "definitiva", e que Bolsonaro isole de vez os "radicais", referindo-se à ala ideológica, de seguidores do escritor Olavo de Carvalho.

Outro aliado afirma que o presidente finalmente decidiu seguir os conselhos que há meses vem recebendo de políticos experientes do Centrão e da ala militar, mas admite que não sabe quanto tempo o estilo moderado vai durar e se resistirá à pressão do grupo ideológico.

Desde que Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), foi preso há uma semana, o presidente evita a imprensa e fala menos com os apoiadores, evitando provocações. Em contrapartida, tem ouvido mais os novos aliados do Centrão. Um dos mais influentes - ao lado do ministro Jorge Oliveira - é o ministro das Comunicações, Fábio Faria.

Este auxiliar palaciano avalia que após tanta turbulência, é como se finalmente tivesse "caído a ficha" do presidente, e atribui a mudança de postura ao "conjunto da obra". Não apenas à prisão de Queiroz, mas a uma sucessão de desgastes para o governo a partir da saída de Sergio Moro do Ministério da Justiça.

Simultaneamente, vieram os desdobramentos das investigações no Supremo Tribunal Federal (STF), como a tentativa de interferência na Polícia Federal, a suposta máquina de "fake news" e o financiamento oculto dos atos antidemocráticos, que levou ativistas defensores do presidente à prisão.

Mas o "novo Bolsonaro" será colocado à prova nos próximos dias. Se o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) negar um habeas corpus da defesa do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) que anularia todas as decisões do juiz Flávio Itabaiana, inclusive a detenção de Queiroz, em julgamento previsto para hoje, o Ministério Público fluminense deverá oferecer a denúncia contra o primogênito do presidente até amanhã.

Em paralelo, a Polícia Federal informou o ministro Celso de Mello do STF que pretende ouvir o presidente ainda nesta semana no inquérito que investiga a suposta tentativa de interferência na instituição, a partir das acusações de Sergio Moro.

Segundo fontes do governo, depois da saída de Moro, Bolsonaro agiu para segurar outros pilares de seu governo, como o ministro da Economia, Paulo Guedes, que esteve sob pressão da ala militar; e a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, que estava incomodada com declarações que prejudicavam a relação com grandes importadores, como a China. Bolsonaro reforçou aos líderes do setor que não quer perdê-la.

Na fase moderada, Bolsonaro está econômico e cauteloso com as declarações públicas e até nas redes sociais. Ele demitiu Abraham Weintraub num aceno de conciliação ao STF, e com o mesmo propósito enviou os três ministros da área jurídica para uma reunião com o ministro Alexandre de Moraes.

Bolsonaro cogitou nomear o secretário de Educação do Paraná, Renato Feder, para o lugar de Weintraub, num aceno a empresários e ao Centrão. Mas recuou e tem sido pressionado a manter o Ministério da Educação com a ala ideológica.

Em outro gesto relevante, ordenou a retificação do "Diário Oficial da União" (DOU) quanto à data da exoneração de Weintraub. O ato complicou a situação do ex-auxiliar: com isso, ele não poderia ter usado o passaporte diplomático para deixar o país e entrar os Estados Unidos porque naquela data, não era mais ministro de Estado.

Bolsonaro também não se manifestou sobre a prisão de seus defensores que insultaram o STF. O presidente silenciou sobre a detenção da extremista Sara Giromini, que após a prisão temporária, foi liberada ontem por decisão de Alexandre de Moraes.

Conhecida como Sara Winter, ela é investigada no inquérito sobre o financiamento e a organização dos atos antidemocráticos. Ela terá que usar tornozeleira eletrônica, não poderá contatar outros investigados e nem se aproximar da sede do STF e do Congresso. (Colaborou Isadora Peron)