Correio braziliense, n. 20853 , 26/06/2020. Cidades, p.22

 

UnB enfrenta o maior desafio

Ana Paula Lisboa

26/06/2020

 

 

Mesmo aparecendo na lista das 10 melhores do país, a universidade cai em ranking internacional. Entre os motivos está a falta de recursos. O pouco que recebe é destinado a gastos com pessoal. A questão da governança é outro problema

A notícia de que a Universidade de Brasília (UnB) subiu duas posições entre as instituições de ensino superior (IES) brasileiras no ranking QS World University Ranking, da consultoria britânica Quacquarelli Symonds (QS), gerou alvoroço. Com a melhora, a UnB passa a integrar a lista das 10 melhores universidades do Brasil. No ano passado, a federal de Brasília estava na 12ª posição e, agora, ficou na 10ª. No entanto, isso não quer dizer que a instituição não esteja no “fim da lista”. Isso porque dos 14 centros de ensino brasileiros que entraram no rol dos 1.000 melhores do mundo, os seis últimos estão na mesma posição global: entre a 801ª e a 1.000ª colocações.

É nessa lacuna que a UnB se encontra (entre 801º e 1.000º), de acordo com a nova edição da lista. Analisando as colocações mundiais, a UnB demonstrou certa estabilidade no trabalho nos últimos dois anos, mas, antes disso, teve histórico de queda, precedido por um período de melhoria até 2016. Para se ter uma ideia, nos rankings liberados entre 2011 e 2014, a UnB estava na faixa global entre a 551ª e a 600ª posições; no publicado em 2015, ficou entre as 491 e as 500 melhores.

Depois disso, só caiu, até que, no ano passado e neste, estabilizou-se. Isso não quer dizer que a universidade tenha necessariamente piorado, pois a colocação no levantamento considera, também, o avanço de outras instituições, que podem ter melhorado e ultrapassado a UnB, por exemplo. Entretanto, é importante notar que, para “despencar” mais, estando na faixa entre as 200 últimas melhores, só se a UnB saísse do ranking. Em outro levantamento da consultoria QS, o LatAm University Ranking, focado na América Latina e divulgado no ano passado, a UnB ficou em 29º lugar.

Declínio

Entre as latino-americanas, a Universidade de Brasília esteve bem melhor. Foi a 9º colocada na edição de 2017; caiu para a 18ª colocação em 2018; para a 27º em 2019 e para a 29º em 2020. O ex-reitor Ivan Camargo analisa que não há motivos para comemorar. “A UnB caiu 20 posições no ranking da América Latina. E, na classificação mundial, está estabilizada nas últimas 200. É como se, numa turma de 1.000 alunos, estivéssemos entre os últimos 200 e achando bom”, diz. “Para uma universidade pública brasileira, o objetivo deve estar, pelo menos, entre as 200 melhores. Na América Latina, não estar entre as 10 melhores é negativo.”

Ele observa que a crítica não é só à UnB: várias universidades brasileiras pioraram nas últimas edições do ranking. Entre as 14 nacionais no rol da QS, apenas duas são particulares: as Pontifícias Universidades Católicas do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e de São Paulo (PUC-SP). Em geral, as listadas são públicas e, na avaliação de Camargo, falta, a essa modalidade de centro de ensino, motivação para buscar eficiência. “A minha sugestão é repensar a governança da universidade, rediscutir os caminhos.” Durante a gestão de Ivan Camargo, a UnB subiu tanto em rankings globais quanto da América Latina.

Questionado sobre sugestões para que a instituição volte a subir degraus em vez de descer, ele é sucinto: “Tem três coisas para fazer: trabalhar, trabalhar, trabalhar”. Para além de “botar a universidade para trabalhar”, ele aconselha que “a administração atrapalhe pouco, tenha unidade e privilegie o mérito acadêmico e os professores que dão boas aulas e produzem bastante”. Será preciso correr atrás do prejuízo a fim de voltar a galgar posições melhores. Questionada sobre o motivo de, antes da edição atual, a UnB ter apresentado queda nos últimos quatro anos, a reitora Márcia Abrahão disse, em entrevista exclusiva ao Correio, que o grande desafio é orçamentário.

Faltam recursos?

“A dificuldade que tivemos foi orçamentária, mas, desde o início, investimos fortemente na produção acadêmica e na internacionalização. Isso fez a diferença. Quando olha agora, mostra que o nosso diagnóstico estava certo. É um esforço de toda a comunidade”, afirmou Márcia Abrahão. Em três anos, o orçamento discricionário da instituição caiu 42%. Remi Castioni, professor da Faculdade de Educação (FE/UnB), não acredita que a piora e a estagnação em rankings como o da QS tenham motivações financeiras. “O orçamento se manteve mais ou menos dentro dos mesmos padrões. Numa universidade, 90% são gastos de pessoal”, informa.

“Teve redução de investimentos, mas os grupos de pesquisa que necessitam de recursos praticamente não contam com fundos da universidade, eles buscam outras fontes, como o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico)”, diz. “Claro que as instituições proveem a infraestrutura, mas, se tivessem que contar só com o dinheiro das universidades, a maior parte dos laboratórios de pesquisa teria fechado”, supõe Remi. Ivan Camargo, ex-reitor da UnB, analisando os quatro anos de sua gestão, admite que o orçamento da universidade é “limitadíssimo”, pois o “grosso” é destinado a pagar professores, servidores e inativos.

“Parece-me que temos incentivos equivocados. A gestão da universidade não tem a preocupação e não tem incentivo para ter uma gestão eficiente porque quem paga a conta é o ministério (da Educação)”, analisa Camargo.

Remi Castioni também avalia que é preciso melhorar a gestão e a eficiência. “É necessário trabalhar com indicadores mais refinados. As universidades perseguem muito pouco indicadores e metas e são pouco criativas para buscar outras alternativas de recursos fora dos limites da administração pública”, critica. A UnB, comenta Remi, tem um diferencial de conseguir gerar receitas próprias, por ter um patrimônio imobiliário que outras não têm. Além disso, ele pondera que cortes no orçamento foram aplicados, também, nas outras federais. “Todo mundo teve ajustes. Então, aí é que entra a capacidade de gestão.”

Proposta de governança

No Índice Integrado de Governança e Gestão Pública (IGG) do Tribunal de Contas da União (TCU), publicado em 2019, a UnB ficou na 17ª posição entre as instituições de ensino superior públicas avaliadas, atingindo 44% no índice. Remi observa que há espaço para melhoria. O ex-reitor Ivan Camargo também acredita que a governança é um aspecto a avançar. Ele vê a centralização da receita no MEC negativamente. “É uma coisa que atrapalha. Fica tudo muito parecido. Se houvesse certa competição, teria incentivo para (a universidade tentar) botar mais aluno, por exemplo.”

Em posições bem melhores do que a UnB no ranking estão a Universidade de São Paulo (USP), a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e a Universidade Estadual de São Paulo (Unesp). “Essas três estaduais têm muito mais autonomia do que as federais, que dependem de uma centralização equivocada e burocrática do MEC.” O professor acredita que a governança das universidades públicas precisa melhorar, deveria ser menos amarrada e estimular o mérito.

Atratividade em jogo

“Os gastos de infraestrutura das universidades brasileiras são irrisórios. Quase toda a receita é gasta com pagamento de pessoal. Aí a infraestrutura vai se deteriorando. Tudo isso leva para um processo estrutural de perda de prestígio, de decadência que me parece que está acontecendo em todas as brasileiras”, lamenta Ivan Camargo. A edição mais recente do ranking QS revela um contexto de piora geral do ensino superior brasileiro.

Num contexto em que todas as instituições de ensino superior brasileiras incluídas no ranking da QS caíram no apelo internacional, é importante repensar a atração de estudantes e professores estrangeiros na UnB. “Vejo alunos jovens e talentosos entrarem por concurso e que vão para o exterior, fazer carreira acadêmica fora. Por algum motivo, a gente não está conseguindo manter os nossos talentos ou atrair novos talentos. E isso é muito grave”, analisa Camargo. “A universidade, por definição, é um lugar que precisa reunir talentos.” Para o professor, o contexto brasileiro também não tem ajudado.

“Além de ver meus colegas indo embora, vejo que o Brasil era um país agradável e simpático e essa imagem se perdeu. Além disso, como trazer um talento do exterior para o Brasil se ele tem de fazer um concurso em português? Há muitas amarras, burocracias e procedimentos de um serviço público que não atende à demanda da sociedade”, critica.

Apesar do declínio da atratividade no exterior, o número de acordos internacionais da UnB tem aumentado a cada ano, assim, a instituição tanto envia mais pessoas para o exterior quanto recebe. A universidade conta com um plano de internacionalização que orienta esse trabalho entre 2018 e 2022. Servidora da Secretaria de Assuntos Internacionais (INT/UnB), Priscyla Barcelos relata que os intercambistas ficam encantados e satisfeitos com a experiência adquirida. “A gente nota isso”, afirma.

A metodologia utilizada pelo levantamento da consultoria QS é baseada em seis parâmetros: reputação acadêmica, reputação da universidade perante empregadores, quantidade de citações de pesquisadores da universidade, proporção de alunos por cada professor, e, por fim, a quantidade de docentes e discentes internacionais. Segundo o perfil da UnB na QS, a produção de pesquisas na instituição é considerada muito alta. Há cerca de 50 mil estudantes, dos quais 1.209 são internacionais. A equipe de professores e técnicos chega a 2,8 mil pessoas.