Valor econômico, v.21, n.5030, 26/06/2020. Política, p. A9

 

Sob pressão governista, Senado adia decisão sobre “fake news”

Vandson Lima

26/06/2020

 

 

O Senado adiou para terça-feira a votação do projeto de lei que visa conter a disseminação de “fake news”. O presidente da Casa, senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), insistiu em votar ontem a proposta, mas algumas das maiores bancadas da Casa criticaram a pressa e ameaçaram votar contra a matéria.

O relator do projeto de lei, senador Ângelo Coronel (PSD-BA), atendeu a pedidos do Ministério Público Federal (MPF) e da liderança do governo e alterou o dispositivo para que empresas como Facebook e Twitter criem mecanismos de confirmação de identificação dos usuários, “inclusive por meio da apresentação de documento de identidade válido”, mas que seriam acessados somente para atender a uma ordem judicial em caso de denúncia.

O relatório final, com 78 páginas, foi apresentado com a sessão já iniciada, às 16h39. Impossibilitados de ler o documento, porque outro item da pauta estava em votação- a Medida Provisória 923 -, boa parte dos senadores favoráveis citou de forma equivocada a proposta, defendendo trechos que haviam sido excluídos, como a exigência de apresentação de documento de identificação e número de telefone para criar conta nas redes sociais.

“Esse projeto vai fazer muito mal ao Senado, presidente, e a responsabilidade é sua. Presidente que ontem mostrou grandeza e, hoje, está se deixando levar pelas vozes que provém do fígado, do dar o troco”, acusou Esperidião Amin (Progressistas-SC), mirando Alcolumbre e lembrando a consagradora votação, na véspera, do novo marco do saneamento. “O Senado sairá apequenado, amesquinhado se este texto for aprovado nesta corrida desenfreada”.

Líder da oposição, Randolfe Rodrigues (Rede-AP) foi na mesma linha. “Não podemos utilizar o Senado como instrumento de vingança”, afirmou.

O Senado acelerou a tramitação de uma proposta sobre “fake news” depois que Alcolumbre e outros senadores foram vítimas de desinformação. Outro caso foi do líder do PSD, Otto Alencar (BA), companheiro de partido e conterrâneo do relator Ângelo Coronel. “Uma legislação mal feita poderá nos impedir de ingressar em novos ciclos de desenvolvimento tecnológico. Não precisamos dessa pressa”, ponderou o líder do governo Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE)

A defesa para dar celeridade à votação do projeto foi a de que o texto ainda será avaliado pela Câmara e, sofrendo alterações, voltará ao Senado, que dará a palavra final.

“O projeto é o ideal? Não. O que nós precisamos é dar um pequeno passo. Vamos aqui caminhar nesse projeto e, depois, como Casa revisora, fazer as adequações necessárias”, disse a senadora Simone Tebet (MDB-MS), normalmente uma das mais rígidas na avaliação das propostas.

Alcolumbre cedeu e marcou uma nova tentativa de votação do projeto das “fake news” para terça-feira.

“O certo é que todos se manifestaram a favor do projeto, a ressalva era votar hoje [ontem]. Vamos fazer uma legislação que possa punir esses milicianos que agridem os brasileiros”, disse.

O relator Ângelo Coronel acusou os provedores de trabalhar apenas por seus interesses. “Eu sabia que era uma matéria polêmica, que mexia com gigantes do mundo digital, com os maiores faturamentos. Facebook, Twitter e Google chegaram até a falar que o Brasil pode ter perdas no PIB de 0,7% a 1,1%”.

Em nota conjunta, as três empresas mais o WhatsApp citaram estudo do European Centre for International Political Economy (ECIPE) que concluiu que as restrições ao fluxo de informações, por meio de exigências de localização de dados, pode reduzir os investimentos no Brasil em até 4,2%.

Também apontaram que o texto, como está, é “um projeto de coleta massiva de dados das pessoas, aprofundando a exclusão digital e pondo em risco a privacidade e segurança de milhões de cidadãos”.