O Estado de São Paulo, n.46232, 16/05/2020. Política, p.A12

 

Bolsonaro recua e afirma que citou ‘PF’ em reunião

16/05/2020

 

 

Após transcrição apresentada pela AGU ao Supremo, presidente afirma que fala se referia a ‘serviço de inteligência’

Três dias após afirmar que não havia citado a palavra Polícia Federal na reunião ministerial do dia 22 de abril, o presidente Jair Bolsonaro admitiu ontem ter usado o termo “PF” no encontro. O recuo ocorre após a Advocacia-Geral da União (AGU) apresentar ao Supremo Tribunal Federal (STF) manifestação com a transcrição das falas do presidente em que aparecem as palavras “PF” e “família”.

A manifestação da AGU foi apresentada no inquérito aberto no Supremo para apurar denúncia do ex-ministro da Justiça e da Segurança Pública Sérgio Moro de interferência política de Bolsonaro na PF.

Em depoimento, Moro disse que, durante o encontro do dia 22, o presidente ameaçou demiti-lo caso não promovesse mudanças no órgão. O relator do inquérito no Supremo, ministro Celso de Mello, vai assistir ao vídeo da reunião e só depois vai decidir se derruba ou não o sigilo da gravação.

Ao falar com jornalistas na porta do Palácio da Alvorada, ontem pela manhã, Bolsonaro foi confrontado com o conteúdo da manifestação da AGU. Ele voltou atrás e disse que citou a sigla PF, mas alegou que falava do setor de inteligência. “Ô cara, tem a ver com a Polícia Federal, mas é a reclamação ‘PF’ no tocante ao serviço de inteligência”, declarou.

Bolsonaro carregava uma folha impressa com a manchete do jornal Folha de S.Paulo: ‘“Vou interferir e ponto final’, afirmou Bolsonaro sobre PF”, além de publicações da revista Crusoé e do jornal O Globo. “A interferência não é nesse contexto da inteligência não, é na segurança familiar. É bem claro, segurança familiar. Não toco em PF e nem Polícia Federal na palavra segurança”, disse o presidente, que defendeu a divulgação do vídeo da reunião. Na manifestação, a AGU pediu que apenas a parte referente ao inquérito seja exibida.

Questionado se falava em interferência no Gabinete de Segurança Institucional (GSI), órgão responsável por garantir a segurança do presidente e de seus familiares, Bolsonaro demonstrou irritação e chamou a entrevista de “palhaçada”. “Não vou me submeter a um interrogatório da parte de vocês. Espero que a fita se torne pública para que a análise correta seja feita”, disse.

Interferência. Segundo a transcrição enviada pela AGU ao Supremo, Bolsonaro disse aos auxiliares na reunião ministerial que não pode ser “surpreendido com notícias”. “Essa é a preocupação que temos que ter: a questão estratégia. E não estamos tendo. E me desculpe o serviço de informação nosso – todos – é uma vergonha, uma vergonha, que eu não sou informado, e não dá para trabalhar assim, fica difícil. Por isso, vou interferir. Ponto final. Não é ameaça, não é extrapolação da minha parte. É uma verdade”, afirmou o presidente.

Moro anunciou sua demissão do Ministério da Justiça dois dias depois do encontro, após Bolsonaro exonerar o então diretor-geral da PF, delegado Maurício Valeixo, contra a sua vontade. No lugar, o presidente tentou nomear o atual diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Alexandre Ramagem, mas foi impedido pela Justiça. Bolsonaro optou, então, pelo “braço direito” de Ramagem na agência, Rolando Alexandre de Souza.

- 'Palavra'

“(Eu disse na reunião do dia 22) A palavra ‘PF’, duas letras. Tem a ver com a Polícia Federal, mas é reclamação PF no tocante ao serviço de inteligência.”

Jair Bolsonaro

PRESIDENTE DA REPÚBLICA

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Número 2 da PF pede para depor outra vez

Pepita Ortega

Fausto Macedo

16/05/2020

 

 

O diretor executivo da Polícia Federal e ex-superintendente da corporação no Rio, delegado Carlos Henrique Oliveira, pediu para prestar um novo depoimento no inquérito que investiga suposta tentativa de interferência política do presidente Jair Bolsonaro na PF. Oliveira deve ser ouvido novamente na próxima quarta-feira.

O número 2 da PF contradisse Bolsonaro. Oliveira afirmou em audiência na quarta-feira passada que a regional fluminense mirou familiares do presidente. Segundo ele, o inquérito “era de âmbito eleitoral, e já foi relatado sem indiciamento”. Disse ainda que a saída do delegado Ricardo Saadi da chefia da PF no Rio não se deu por “questões de produtividade”, como alegou Bolsonaro na primeira tentativa de trocar o superintendente da corporação fluminense, pivô da crise entre o presidente e o ex-ministro Sérgio Moro.

A PF intimou outros três delegados para serem ouvidos na investigação sobre as acusações de Moro contra Bolsonaro. Na terça-feira, prestará depoimento o delegado Claudio Ferreira Gomes, diretor de Inteligência da corporação. A suposta cobrança do presidente da República por relatórios da PF é um dos pontos centrais do inquérito.

Na quarta, além de Oliveira, vão depor os delegados Cairo Costa Duarte e Rodrigo de Morais. Ambos estão lotados na PF de Minas Gerais – Duarte é o superintendente da unidade e Morais é o responsável por conduzir as investigações sobre o atentado à faca sofrido por Bolsonaro durante a campanha eleitoral, em 2018.

Audiências. Nesta semana, foram prestados nove depoimentos. Foram ouvidos os delegados Maurício Valeixo, Alexandre Ramagem, Ricardo Saadi, Alexandre Saraiva e Carlos Henrique Oliveira; os ministros Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), Walter Braga Netto (Casa Civil) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo); e a deputada Carla Zambelli (PSL-SP).