Título: Controles excessivos custam caro ao país
Autor: Ribas, Sílvio
Fonte: Correio Braziliense, 27/12/2012, Economia, p. 10

Na tentativa de reverter os impactos da crise mundial, o governo inunda o país de medidas anticíclicas e de ações intervencionistas. Receosos, os empresários se encolhem e engavetam projetos importantíssimos para a retomada do crescimento

O aumento da participação do governo em financiamentos de hidrelétricas e os seguidos anúncios de pacotes de investimento de infraestrutura com forte viés estatal são alguns dos sinais de que as ações iniciadas em 2008 para enfrentar a crise mundial se tornaram reféns de si mesmas. Como o termo sugere, as medidas adotadas como anticíclicas deveriam ser excepcionais e servir para enfrentar temporariamente períodos recessivos ou de baixo crescimento. Mas acabaram duplamente desvirtuadas, em duração e intensidade, e sem cumprir a missão de tirar a economia do marasmo.

Especialistas ouvidos pelo Correio reconhecem que as intervenções federais para reduzir tributos sobre mercadorias como carros e eletrodomésticos, expandir e baratear o crédito e aumentar os gastos públicos alcançaram sucesso durante o auge das turbulências internacionais entre 2008 e 2009. Não à toa, o Brasil foi um dos primeiros países a saírem do atoleiro provocado pelo estouro da bolha imobiliária dos Estados Unidos. Mas a hiperatividade para estimular o Produto Interno Bruto (PIB) apenas pela trilha do consumo doméstico já explicitou o esgotamento da estratégia. Tanto que, em vez de aumentar, o processo de expansão do país vem encolhendo. Saiu de 7,5%, em 2010, para 2,7% em 2011 e 1% ou menos neste ano.

Além disso, efeitos colaterais como endividamento das famílias, excessiva presença estatal no crédito e desconfiança de investidores e empresários conspiram contra os próprios alvos do governo. O capital retraído leva o Estado a tomar espaço do setor privado, gerando preocupantes sinais de estatização da atividade, de potencial aumento da dívida pública e de consolidação de riscos de mais mudanças na regulação em setores concedidos à livre-iniciativa. Recentemente, a presidente Dilma Rousseff avisou que cobrirá, por meio do Tesouro, despesas extras para reduzir a conta de luz, devido à recusa de empresas como a Cesp (São Paulo) e a Cemig (Minas Gerais) de aceitarem a proposta de diminuição de 20%, em média, das tarifas de energia.

Carimbo Nem mesmo a redução histórica da taxa básica de juros (Selic) para 7,25% ao ano, está estimulando o empresariado a desengavetar projetos de ampliação e de construção de fábricas. Esses investimentos são a principal fonte para a retomada da atividade, conforme o próprio governo vem defendendo. Para Renato Fragelli, da Fundação Getulio Vargas (FGV), mais do que ter carimbado na economia brasileira o seu tradicional fenômeno de voo da galinha, o declínio do ritmo de crescimento do PIB desde 2010 pode ter apontado outra realidade ainda mais preocupante.

“O mercado começa a prever tetos mais baixos para a expansão considerada sustentável para a economia, antes na casa de 4% e 4,5%”, ilustra Fragelli. A principal razão disso está, a seu ver, na escolha de empresas a serem protegidas pelo Estado e um sinal menos amistoso para outros setores investirem, minando a credibilidade do país. Ele não consegue enxergar melhora substancial nesse quadro sem uma revisão da estrutura tributária, com a cessão de receitas da União em favor dos estados para reduzir acúmulos e sacrifícios sobre a produção.

Rodrigo Constantino, economista do Instituto Millenium, avalia que o crescente nível de intervencionismo do governo na economia nos últimos dois anos já ganhou contornos arbitrários, conforme revelou a Medida Provisória 579, que altera regras do setor elétrico. “Reduzir na marra os custos gerais da economia e a escalada da inflação sempre leva a problemas futuros”, critica. O governo, por exemplo, acostumou-se em perseguir a inflação no topo da meta, em vez de mirar o centro, de 4,5%, e continua usando a Petrobras para conter o impacto do reajuste de combustíveis, levando prejuízos ao caixa da estatal.

Constantino lembra que os estímulos ao setor automotivo, por meio da redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), não exigiram contrapartidas das montadoras, nem mesmo a garantia de empregos, e o crédito continua sustentando as vendas dos veículos. “O ideal é reduzir os preços de forma estrutural para agregar consumidores perenes”, sugere. Mas a maior preocupação do economista está no avanço estatal na concessão de crédito, direcionando recursos para alvos preferenciais. Segundo dados do Banco Central, 46,7% dos recursos bancários estão nas mãos do setor público. Em paralelo, os desembolsos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) vêm sendo bancados por repasses do Tesouro e com impacto sobre a dívida bruta, que avançou cinco pontos percentuais nos últimos quatro anos em relação ao PIB, para 65%.

Da mesma forma que a atual crise internacional, com crises fiscais da Europa e dos Estados Unidos, é mais complexa do que a marolinha enfrentada pelo ex- presidente Lula, os seus efeitos sobre o Brasil também são de difícil avaliação. O desemprego continua no menor nível histórico, a renda ainda segue em alta e o consumo cresce em ritmo muito superior ao da economia.

Isso explica como a desaceleração do PIB ainda não afetou a popularidade do governo Dilma, que manteve recorde de aprovação, com 62% da população o considerando ótimo ou bom, revelada pela recente pesquisa CNI-Ibope. “A crise não chegou totalmente à população”, explica o gerente executivo da Unidade de Pesquisa e Competitividade da CNI, Renato da Fonseca.

Fora de foco Estimular o consumo é mesmo, do ponto de vista prático, a melhor forma de empurrar a economia, em vez de batalhar por reformas estruturais, lembra Otto Nogami, professor de economia do Instituto Insper. Ele afirma que o consumo das famílias representa 64% do PIB e é sensível ao crédito, à elevação de renda e ao esforço para baixar os juros bancários. Mas o gasto do governo continua esbarrando nos limites orçamentários da União e “na dificuldade burocrática” de investir na infraestrutura. Sobrou, então, para o consumo, o que pode estar sendo, no fim das contas, um tiro no pé.

Em paralelo a isso, Nogami explica que as exportações não conseguem ser a válvula de escape para as deficiências de outras contas e que as importações continuam sendo um redutor da atividade produtiva. “O diferencial esperado do investimento privado, pressionado pelo mercado doméstico e pelas desonerações tributárias, segue em compasso de espera”, acrescenta. “Há pelo menos três anos, temos observado a dificuldade de execução de investimentos na economia, sejam públicos ou privados. O discurso oficial, em favor dos investimentos, não emplacou. E, para completar, o empresariado está mais cauteloso”, detalha.

Reginaldo Gonçalves, professor da Faculdade Santa Marcelina, diz que é preciso incluir de vez a competitividade industrial nas políticas públicas e apontar esforços rumo ao mercado externo. “Ser campeões de exportação de produtos primários leva ao empobrecimento do parque industrial e à dependência por produtos de maior valor agregado produzidos no estrangeiro”, afirma.

O consultor e empresário Antoninho Trevisan sublinha que, embora a redução do IPI para automóveis, linha branca e materiais de construção seja “tecnicamente correta”, o pífio desempenho do PIB neste ano, com expansão de só 1%, confirma a necessidade de reformas estruturais da economia. “Atos pontuais socorrem a economia em conjunturas como a da crise mundial. A sustentabilidade do crescimento, porém, só se alcança com ações verdadeiramente transformadoras”, observa.