O globo, n. 31714, 05/06/2020. Opinião, p. 2

 

Governo precisa explicar gasto ínfimo para a Saúde na pandemia

05/06/2020

 

 

Vai ser difícil ao governo Jair Bolsonaro justificar ao Judiciário, ao Congresso e ao Ministério Público Federal a asfixia financeira que impôs ao Sistema Único de Saúde em meio à pandemia que já matou pelo menos 32 mil pessoas.

Há 18 semanas o Congresso reconheceu a situação de calamidade, pela disseminação do vírus, e autorizou o governo federal a ativar o regime de exceções para gastos previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal. Na sequência, o Supremo Tribunal Federal deu o amparo jurídico requerido pelo governo, convalidando o caráter extraordinário para resposta rápida e abrangente na Saúde.

Constata-se uma diferença abissal entre os anúncios feitos pelo governo e os investimentos realizados na Saúde em 75 dias de catástrofe.

É chocante, mas os dados do Tesouro expõem a decisão do Palácio do Planalto de não dar prioridade, em plena pandemia, à execução orçamentária do Sistema Único de Saúde: até a primeira quinzena de maio, foram pagos apenas R$ 8 bilhões — 42% dos R$ 18,9 bilhões de despesas lançadas na rubrica “Enfrentamento da Emergência de Saúde” .

Análise dessa fonte de custeio das ações sanitárias para a Covid-19 indica que o governo resolveu não aumentar o financiamento do SUS de forma direta, como seria esperado na calamidade. Ao contrário, preferiu subtrair R$ 5,7 bilhões do orçamento da Saúde, num remanejamento de verbas que só aumentou a asfixia de um sistema já combalido.

A partir de indícios exibidos em estudo do economista José Roberto Afonso e da procuradora Élida Graziane Pinto, o Ministério Público Federal decidiu abrir inquérito para “averiguar as razões pelas quais a União não vem se utilizando, até o momento, das verbas disponibilizadas” e, também, “por que motivo os repasses a estados e municípios têm aparentemente sofrido retenção”.

Os dados levantados pelos procuradores confirmam a ineficácia do governo federal no combate direto à pandemia, nas ações paralelas de saúde pública e, principalmente, na negligência das suas obrigações constitucionais de socorro à Federação. Estados e municípios são responsáveis pelo custeio direto de 60% da saúde pública, equivalente a 4,2% do Produto Interno Bruto. Essa despesa sobe para 95% na assistência médico-hospitalar.

Resta ao governo Bolsonaro justificar a lassidão diante do caos com a propagação do vírus, ao mesmo tempo em que o presidente sabotou o isolamento social.