O globo, n. 31714, 05/06/2020. Economia, p. 21

 

Governo estende ajuda, mas quer valor menor

Marcello Corrêa

Geralda Doca

Washington Luiz

Leandro Prazeres

05/06/2020

 

 

Equipe econômica concorda com pagamento por mais dois meses, mas defende auxílio de até R$ 300. No Congresso, onde medida precisa ser aprovada, parlamentares querem manutenção dos atuais R$ 600 

MARYANNA OLIVEIRA/CÂMARA DOS DEPUTADOSImpacto. Parlamentares querem mais parcelas de R$ 600, diz Rodrigo Maia

 Diante da gravidade da crise causada pela pandemia do novo coronavírus, o governo decidiu estender o auxílio emergencial pago aos trabalhadores informais e autônomos por mais dois meses. Segundo fontes da equipe econômica, tudo indica que serão pagas mais duas parcelas de R$ 300. No Congresso, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), defende a extensão do programa, mas quer mais duas prestações de R$ 600, valor atual do benefício.

A proposta do governo terá que ser enviada ao Congresso, já que o valor e a duração da ajuda federal estão definidos em lei, sancionada no início de abril.

Ontem, o presidente Jair Bolsonaro voltou a dizer que acertou a prorrogação do programa com o ministro da Economia, Paulo Guedes. A extensão custa R$ 40 bilhões à União.

— Já acertei com o Paulo Guedes, a quarta e a quinta parcela do auxílio emergencial. Vai ser menor que os R$ 600, partindo para um fim. Cada vez que nós pagamos esse auxilio emergencial, dá quase R $40 bilhões. É mais do que os 13 meses do Bolsa Família — disse Bolsonaro durante “live” nas redes sociais.

Nos últimos dias, técnicos do governo analisavam a melhor opção para estender o programa. A opção de duas parcelas de R$ 300 ganhou força nos últimos dias. Uma fonte disse que o governo “caminha” para essa solução. A equipe chegou a estudar a possibilidade de pagar três parcelas de R$ 200.

A ideia de não acabar de uma vez só com o auxílio emergencial está sendo discutida por integrantes do governo há pelo menos duas semanas. Como revelou o GLOBO em meados de maio, Guedes já defendia “suavizar a queda” do programa. Ou seja, retirar o benefício aos poucos.

— Não é que nós vamos prorrogar, porque não temos fôlego financeiro para fazer a gastança que está aí, mas vamos ter que suavizar a queda — disse o ministro, durante reunião com empresários no dia 19 de maio.

RESISTÊNCIA

Segundo dados do Tesouro Nacional, a previsão de gastos coma ajuda aos informais é de R$ 152,64 bilhões. Até agora, o governo desembolsou R$ 76,86 bilhões com o programa, cuja terceira parcela ainda começará a ser paga.

A redução do valor mensal do auxílio enfrentará resistência dentro do Congresso.

— Se dependesse dos parlamentares, do que eu estou ouvindo, você teria mais duas ou três parcelas do mesmo valor de R$ 600, mas tem o impacto. Ninguém está negando o impacto e também ninguém está negando, nem o governo, a necessidade de prorrogação do benefício —afirmou Maia.

O presidente da Câmara disse que a intenção é construir uma solução com o governo dentro do orçamento fiscal, mas não descartou a possibilidade de o Congresso tomar a iniciativa para manter o auxílio.

— O Congresso pode tomar iniciativa, mas é bom que o governo tenha uma posição clara para a gente saber em que condições estamos trabalhando. A PEC da guerra abre as condições para que o governo possa realizar esses gastos, mas todos nós sabemos que o nível de endividamento do governo federal é o nosso limite.

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País deveria usar cadastro do auxílio para políticas sociais

Cássia Almeida

05/06/2020

 

 

Especialistas defendem que mapeamento de trabalhadores informais deve ser usado para aprimorar o atendimento da população 

FÁBIO MOTTA/28-4-2020Chance. Registro feito para o pagamento do auxílio emergencial pode ser usado para unificar programas

 Mais de 50 milhões de trabalhadores estão recebendo o auxílio emergencial para conseguir passar pela crise econômica provocada pela Covid-19. Especialistas alertam que o país não pode perder a oportunidade de usar o imenso cadastro, criado para atender a situação de emergência, para tornar visível uma população de trabalhadores informais que vive à margem do sistema de proteção social.

Os especialistas reconhecem que o cadastro tem problemas. O próprio Tribunal de Contas da União (TCU) chegou a estimar em 8,1 milhões o número de benefícios pagos indevidamente, além de 2,3 milhões de cidadãos que estão no Cadastro Único de programas sociais do governo federal, mas que podem ter sido excluídos do pagamento da ajuda financeira.

Mesmo assim, o pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Fernando Gaiger, que coordenou o Cadastro Único do Ministério da Cidadania de 2008 a 2011, defende que os problemas podem ser corrigidos e o novo cadastro pode ser usado para aprimorar as bases de dados federais existentes:

— Fizemos um esforço grande de criar esse cadastro e devemos aproveitar a pandemia para melhorar a interlocução entre cadastro e os registros administrativos existentes —diz Gaiger.

Ricardo Henriques, superintendente-executivo do Instituto Unibanco e um dos criadores do Programa Bolsa Família, afirma que é possível fazer, rapidamente, cruzamentos com a base de dados que o governo já tem e ir melhorando o cadastro emergencial.

— Tem um sistema de conferência que poderia tirar com alguma facilidade situações de cadastramento indevido. Cruzar com a base da Receita, pela renda e patrimônio. Sem dúvida, o cadastro pode ser o pivô da política social. Isso é uma baita oportunidade —afirmou.

O passo seguinte, diz Henriques, é integrar todos os cadastros, assim, agentes comunitários de saúde, assistentes sociais e diretores de escolas podem trocar informações, já tomando por base o cadastro criado para efetuar o pagamento do auxílio emergencial.

Ele afirma que o Brasil pode requalificar sua política Naercio Menezes Filho, professor do Insper, acredita que esse aplicativo pode conter informações como as oscilações de renda da população, para monitorar mais rapidamente quem entrou e saiu da pobreza, com fiscalização do governo.

Gaiger, do Ipea, lembra que com o cadastro emergencial conseguiu-se chegar ao mapeamento de quase a totalidade da população: há os 40 milhões de trabalhadores formais, acompanhados pelo Dataprev, os 30 milhões que declaram rendimentos à Receita Federal, mais os 33 milhões de pessoas que recebem o Bolsa Família e os 77 milhões que estão no Cadastro Único do governo.

— O auxílio mostrou que há capacidade operacional da máquina pública para levar adiante esse projeto de unificação das bases de dados, e o momento de fazer isso é agora —diz Gaiger.

Daniel Duque, economista da Fundação Getulio Vargas (FGV), reforça a ideia. Segundo ele, ficou flagrante para a sociedade quão grande é a parcela da população vulnerável, sem proteção para momentos de crise:

— Era a última parcela invisível da população, os trabalhadores informais, espremidos entre os beneficiários do Bolsa Família, por não serem tão pobres para se inscreverem em cadastros sociais, e nem tão ricos para declarar renda à Receita. Com esses cadastros, conseguimos chegar a três quartos da população — diz o economista da Fundação.

VOZ DISSONANTE

Duque afirma que nunca houve justificativa urgente para identificar o rendimento dos informais, como na pandemia da Covid-19:

— Agora essa base existe. É de fato um momento único. Com algum esforço operacional conseguimos expandir o sistema de informações, do acompanhamento de rendimento, com unificação de programas sociais. Se for implantada renda básica, é necessária base de dados unificados.

Marcelo Neri, diretor da FGV Social e conhecido estudioso de pobreza e desigualdade, é voz dissonante. Diz que o novo cadastro é pouco transparente e sem foco. Ele defende que o Cadastro Único, já usado pelo governo, seja aperfeiçoado, permitindo usar biometria para identificar os beneficiários, como fez a Índia.

— O cadastro tem problemas. Num cenário de pandemia, tudo fica meio embaralhado: quem é pobre, quem está pobre. Numa tragédia, fica muito difícil separar —afirma Neri.

Ele diz que o Brasil abandonou uma discussão importante que começou na primeira década desse século: ter um número de identificação para cada habitante.

— Em pleno século XXI ainda não temos esse número —critica o especialista.