O globo, n. 31717, 08/06/2020. País, p. 4

 

Pauta conjunta

08/06/2020

 

 

Com predominância do antirracismo, atos nas ruas ampliam oposição a Bolsonaro

ALEXANDRE CASSIANONas ruas. No Rio, manifestantes deitaram no chão próximo à Candelária em ato antirracismo, pela democracia e contra governo Bolsonaro. Atuação violenta da polícia nas favelas foi pauta do protesto

Depois de uma sequência de domingos em que as manifestações de rua foram exclusivas de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro, incluindo atos concluídos em frente ao Palácio do Planalto com pautas antidemocráticas e que tiveram a participação do presidente, o dia de ontem foi protagonizado por protestos contra o governo. Rio e São Paulo registraram os maiores atos em que a oposição ao governo e a defesa da democracia estiveram juntas de uma bandeira preponderante: a luta contra o racismo, ecoando protestos que vêm ocorrendo em todo o mundo nos últimos dez dias.

Nas duas cidades e em Brasília houve também manifestações pró-governo, mas em menor número. Os atos contrários a Bolsonaro ocorreram também em várias outras capitais, como Fortaleza, Maceió, Salvador, Belo Horizonte, Goiânia, Curitiba e Florianópolis. Em sua maioria, os protestos foram convocados por grupos que se dedicam à causa da igualdade racial e à defesa da democracia. Em várias cidades, torcidas organizadas de clubes de futebol estiveram também entre os organizadores.

Enquanto lideranças de partidos políticos da oposição estiveram nas últimas semanas envolvidas em debates sobre ir ou não às ruas e sobre assinar ou não manifestos contra o governo e pela democracia, as manifestações de ontem tiveram uma conjugação das pautas sob a predominância do movimento negro, sem a liderança das siglas políticas. A pauta da igualdade racial vive um momento de protagonismo mundialmente desde que a morte do americano George Floyd, vítima da violência policial, desencadeou uma onda global de manifestações.

Agregada nos atos de rua a palavras de ordem como “Fora Bolsonaro”, essa agenda racial pode resultar em mais desgaste para o governo —vários dos protestos de ontem lembravam posições do presidente da Fundação Palmares Sérgio Camargo, contra o movimento negro, e também declarações anteriores do próprio Bolsonaro contra o ativismo pela igualdade racial. O presidente já vinha sofrendo desgaste nos últimos meses, como mostraram pesquisas de opinião, devido a sua atuação em outra área fora da disputa eminentemente políticopartidária: a condução do país em meio à crise sanitária do coronavírus.

PANELAÇOS

Vários manifestantes lembraram ontem as mais de 35 mil mortes no país durante a pandemia. O receio de contribuir para a transmissão do vírus e as recomendações médicas e de autoridades para manter o isolamento social fez com que muitas pessoas protestassem sem sair de casa. No horário marcado para os principais atos no Rio e em São Paulo, às 15h, houve “panelaços“e buzinaços em diversos bairros das duas capitais. Também ocorreram “panelaços” em Brasília, Minas Gerais, Pernambuco e no Paraná.

Na capital paulista, a Frente Povo Sem Medo, que inclui partidos de esquerda, esteve entre os organizadores, que reuniram os manifestantes no Largo da Batata, na região oeste. Cartazes, bandeiras e cantos entoados na grande praça no bairro de Pinheiros tratavam de pautas diversas. Sobressaíram-se as críticas ao descaso do governo federal no combate à pandemia do novo coronavírus, a medidas consideradas autoritárias pelo presidente Jair Bolsonaro e a mortes de pessoas negras causadas pela polícia.

VIOLÊNCIA POLICIAL

O ato do Rio concentrou-se na Avenida Presidente Vargas, na altura do monumento a Zumbi dos Palmares e seguiu pela lateral da via até a Candelária. A atuação violenta da Polícia Militar nas favelas, resultando na morte predominantemente de jovens e negros, e o presidente Jair Bolsonaro foram os principais alvos dos manifestantes, que lembraram também a morte da vereadora Marielle Franco, em março de 2018. O assassinato do adolescente João Pedro, em São Gonçalo, durante operação policial na comunidade do Salgueiro, também foi lembrado.

— É importante nos manifestarmos contra o racismo. Tivemos o caso terrível do João Pedro. Não era possível que a morte desse rapaz passaria em branco. É absurdo que isso aconteça aqui e as pessoas convivam com isso. Quanto ao Brasil, estamos tendo a pior condução possível da pandemia. Milhares de pessoas estão morrendo por causa da condução do presidente — disse o bancário Jeferson Rosa.

Em Brasília, os grupos pró e contra Bolsonaro foram separados pela Polícia Militar. Um largo canteiro central também os dividiu. O acesso à Praça dos Três Poderes ficou fechado. Os organizadores dos dois movimentos pediam que os manifestantes não entrassem em brigas.

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Em São Paulo, PM dispersa protesto; no Rio, 45 são detidos

Guilherme Caetano

Rafael Soares

08/06/2020

 

 

Polícia usou bombas e gás para impedir que grupo seguisse para a Paulista

 

AMANDA PEROBELLI/ REUTERSPinheiros. Depredações ocorreram após ação da PM

Apesar do tom pacífico das manifestações registradas ontem, a Polícia Militar de São Paulo usou bombas de efeito moral e gás lacrimogênio para dispersar um pequeno grupo de manifestantes que participou do ato em defesa da democracia na região de Pinheiros, na capital paulista. Além disso, no Rio, cerca de 45 manifestantes foram conduzidos ao longo do dia a delegacias.

Em São Paulo, ao final do ato no Largo da Batata, o grupo de manifestantes queria seguir à pé até a Avenida Paulista, onde mais cedo um ato pró-Bolsonaro havia sido realizado. Os manifestantes só conseguiram chegar até as proximidades de uma estação de metrô, onde uma barricada de policiais impediu que a passeata seguisse em frente. A PM argumentou que barrou a caminhada em função da determinação judicial que proibiu a realização de manifestações de grupos antagônicos no mesmo local.

Dispersos pelas bombas, alguns manifestantes atearam fogo em objetos em ruas próximas à estação de metrô e caçambas de entulho foram reviradas na rua. Moradores do bairro de Pinheiros gritavam, de seus apartamentos, contra areação da polícia e batiam panelas das janelas e varandas. Segundo porta-voz da PM, tenente-coronel Emerson Massera, os manifestantes agrediram alguns policiais, arremessando pedras e outros objetos. Massera fez questão de frisar que o grupo que entrou em confronto coma PM estava desassociado dos manifestantes que se reuniram na região do Largo da Batata.

No Rio, agentes do 5º Batalhão da Polícia Militar (Centro) prenderam 30 pessoas em ações em que, alega a corporação, houve ataques com pedras contra policiais e seus veículos. Um homem também foi preso em cumprimento a mandado de prisão por homicídio, enquanto dois manifestantes foram detidos por porte de oito cigarros de maconha. Em Copacabana, cinco foram detidos e foram apreendidos com os manifestantes facas, bastões de madeira e focos de artifício.

No ato pró-Bolsonaro no bairro da Zona Sul, lutadores de academias participaram do movimento, com o intuito anunciado nas redes sociais durante a semana de “proteger” manifestantes de eventuais confusões. Parte deles insultou participantes de um ato de oposição, mas a polícia impediu que o grupo chegasse perto dos manifestantes.