O globo, n. 31717, 08/06/2020. País, p. 5

 

FH, Ciro e Marina convergem pela democracia

Míriam Leitão

08/06/2020

 

 

Em entrevista conjunta na GloboNews, ex-presidente da República e ex-ministros apontaram necessidade de união de forças para deter autoritarismo num cenário de crise econômica e desgoverno da pandemia 

REPRODUÇÃODebate. Ciro, Fernando Henrique e Marina falaram à jornalista Míriam Leitão na tarde de ontem na GloboNews

O ex-presidente Fernando Henrique e os ex-ministros Ciro Gomes e Marina Silva disseram ontem que é preciso deixar de lado qualquer conflito que tenham tido no passado para a união em defesa da democracia.

Em entrevista conjunta na Globonews, por quase duas horas, eles falaram abertamente dos riscos que estão sobre o Brasil neste momento: a pandemia, a crise econômica e as ameaças autoritárias. Marina disse que não se pode cometer de novo o erro de “subestimar Bolsonaro”, como em 2018.

Ciro garantiu que “nós vamos defender a democracia brasileira e quem não vier é traidor”, Fernando Henrique afirmou que essa é a hora de “juntar forças” entre grupos políticos que podem ter distintas visões sobre muitas questões, “mas não têm diferenças no respeito à democracia, direitos humanos, e na necessidade de maior igualdade para o Brasil”. Segundo o ex-presidente este é o momento de “uma agenda ampla que caiba todos nós”.

Na política há tempo para o dissenso e para as disputas. Ontem, na entrevista, o que eles mostraram é que é importante saber a hora do consenso. Os três já estiveram em campos opostos e foram concorrentes em eleições. Ciro, do PDT, e Marina, da Rede, disputaram a presidência em 2018. Ciro concorreu contra Fernando Henrique, do PSDB, em 1998. Os dois estiveram juntos no Plano Real, mas se afastaram quando Fernando Henrique assumiu o governo. Houve entre eles, então, um longo hiato, com direito a críticas públicas. Agora é possível o diálogo?

— Não só possível, é necessário. O passado passou. Temos que buscar pontos de convergência disse — Fernando Herique.

— Ninguém pode negar a história de dedicação de Fernando Henrique à democracia brasileira. Ele é um democrata. Temos que nos unir para proteger a vida, a economia, a democracia. Nós vamos fazer o que for necessário. Ninguém do povo vai entender a leviandade de qualquer um de nós de por alguma mágoa não cumprir o nosso papel —disse Ciro.

Marina definiu como “pedaladas pandêmicas”, o que o governo está fazendo com os números do Ministério da Saúde e disse que Bolsonaro tem cometido “crime de responsabilidade”.

—Temos que fortalecer cada vez mais os Poderes que nesse momento fazem a resistência democrática, a sociedade, o Congresso e o Supremo. Temos que fazer esse esforço em nome do princípio da precaução, para não lamentar depois se cairmos em alguma armadilha.

Ciro acha que nem é o caso de temer que “um general Mourão desça de tanque, de Juiz de Fora para o Rio” — uma referência a um dos primeiros eventos do golpe de 1964.

— Com 23 militares no Ministério da Saúde, decretando protocolo de remédio, eles já estão no poder.

Sobre o movimento de ontem nas ruas de várias cidades brasileiras, o ex-presidente Fernando Henrique disse que houve muitas bandeiras —o combate ao racismo, a defesa da democracia, a oposição ao governo Bolsonaro —mas que elas eram uma só na verdade. “Democracia com inclusão social”.

—Nós não podemos nos calar, mesmo que os setores radicais do bolsonarismo digam que não estamos deixando que Bolsonaro governe. Ele não sabe governar, é diferente. A luta não é só política. Ela é social e econômica — disse o ex-presidente.

Fernando Henrique contou que foi um dos redatores do artigo 142 da Constituição. Em nenhum momento se pensou em dar aos militares o poder moderador, como o governo tem insinuado na defesa de que haveria uma forma de fazer um intervenção militar constitucional. Ciro disse não ter dúvida de que há o risco de politização das polícias militares. E alertou que há o risco de que se chegue a 100 mil mortos até agosto.

— Nós não podemos aceitar passivamente esse desatino que é enfrentado com a maior irresponsabilidade, incompetência e desapreço pela ciência. Nós temos que lutar para salvar vidas, exigindo por exemplo que se faça mais testes. O país pode vir a ter 20 milhões de desempregados e, até agora, o governo não conseguiu fazer as linhas de crédito funcionarem e o dinheiro para os estados ainda não chegou.

“RISCO REAL”

O enorme campo para o consenso entre eles foi se desenhando durante o programa. Eles concordam que o governo Bolsonaro é um risco à democracia e à vida. E entendem que há espaço para uma agenda mínima.

— Eu tenho clareza que temos que ter um impeachment, embora saiba que as condições práticas precisam ser construídas com humildade —disse Ciro Gomes.

Fernando Henrique seria o último a falar. Ele concluiu assim:

— O principal já foi dito. Só uma coisa: precisamos ter esperança, ninguém tem projeto de futuro sem esperança. Temos que inventar o futuro, ter energia para descortiná-lo. Temos que estar unidos agora pois sem liberdade nada se faz. Estamos diante de um risco real. É preciso gritar juntos. Estamos no mesmo barco e ele pode ir a pique. É agir agora para ter esperança no futuro.