Correio braziliense, n. 20857 , 30/06/2020. Política, p.2

 

Sindicância mira subprocuradora

Sarah Teófilo

30/06/2020

 

 

PODER » Corregedoria-Geral do Ministério Público Federal vai investigar conduta de auxiliar de Aras que interpelou integrantes da Lava-Jato. Declaração do Procurador-Geral sobre "aparelhamento" aumentou o desgaste entre Brasília e Curitiba

A Corregedora-geral do Ministério Público Federal (MPF), Elizeta Maria de Paiva Ramos, determinou ontem a abertura de sindicância para apurar a visita da subprocuradora-geral da República, Lindora Araújo, auxiliar próxima do procurador-geral Augusto Aras, à sede do MPF no Paraná na semana passada, nos dias 24 e 25. Na ocasião, Lindora, que é coordenadora do Grupo de Trabalho da Lava-Jato na PGR, se reuniu com o coordenador da operação, Deltan Dallagnol, e solicitou procedimentos e bases de dados da força-tarefa, mas “sem prestar informações sobre a existência de um procedimento instaurado ou escopo definido”.

Depois da visita, membros do MPF protocolaram uma reclamação na corregedoria. O caso foi a gota d’água para os procuradores Hebert Reis Mesquita, Luana Vargas de Macedo e Victor Riccely, integrantes da força-tarefa em Brasília, pedirem demissão no último dia 26. O grupo era responsável pela condução de inquéritos envolvendo políticos com foro privilegiado no Supremo, além de atuar em habeas corpus movidos na Corte em favor de investigados e a negociação de acordos de delação premiada. Mesquita também atuava no inquérito que apura suposta interferência do presidente Jair Bolsonaro na Polícia Federal.

A PGR divulgou duas notas sobre o caso. Na primeira, também do dia 26, a PGR dizia “estranhar” a reação dos procuradores de Curitiba, e que desde o início das investigações, há intercâmbio de informações entre a PGR e as forças-tarefas. “Não se buscou compartilhamento informal de dados”, pontuou a nota assinada por Augusto Aras.

A segunda, mais dura, foi vista como “grave” entre integrantes do MPF em Brasília, e piorou o clima já ruim entre Aras e a força-tarefa. Nela, a PGR diz que a saída dos três procuradores não prejudica a força-tarefa e frisa que a Lava-Jato “não é um órgão autônomo e distinto do MPF, mas sim uma frente de investigação que deve obedecer a todos os princípios e normas internos da instituição”.

A procuradoria ainda falou em “aparelhamento”. “Para ser órgão legalmente atuante, seria preciso integrar a estrutura e organização institucional estabelecidas na Lei Complementar 75 de 1993. Fora disso, a atuação passa para a ilegalidade, porque clandestina, torna-se perigoso instrumento de aparelhamento, com riscos ao dever de impessoalidade, e, assim, alheia aos controles e fiscalizações inerentes ao Estado de Direito e à República, com seus sistemas de freios e contrapesos”, afirmou a nota da PGR. Esse trecho foi muito mal recebido pelos procuradores.

Na verdade, a situação em geral é malvista pelos integrantes da Lava-Jato. Causa desconfiança o fato de Lindora Araújo, uma auxiliar próxima de Aras, ir a Curitiba acompanhada pelo secretário de Segurança Institucional, o delegado da Polícia Federal Marcos dos Santos, além de um membro integrante do gabinete de Aras, o procurador Galtienio Paulino, e pedir informações e base de dados sem um procedimento aberto ou “escopo definido”.

A avaliação de procuradores em Curitiba, conforme divulgou o Correio no último dia 26, é de que o ato seria uma tentativa de prejudicar o ex-juiz Sérgio Moro, ex-juiz responsável pelas decisões relativas à força-tarefa. Já em Brasília, há quem não descarte a relação com Moro, mas entenda que a questão poderia não ser especificamente relacionado ao ex-juiz, e sim a outras informações importantes, relativas a outras figuras políticas, ainda que não esteja claro quais.

“Lapso” em gravações

A sindicância instaurada pela Corregedoria-Geral da República (PGR) também deverá esclarecer se houve ilegalidade na gravação de chamadas telefônicas por integrantes da Lava-Jato em Curitiba. “O objetivo é apurar a regularidade de sua utilização, bem como os cuidados e cautela necessários para o manuseio desse tipo de equipamento pelos respectivos responsáveis”, informou o documento.

Essa apuração também é em decorrência de um pedido de integrantes da força-tarefa. Além de questionar a visita da subprocuradora-geral da República, Lindora Araújo, sem uma razão específica, informaram a existência de equipamento de gravação desde 2015.

No ofício assinado por 14 procuradores de Curitiba, incluindo Deltan Dallagnol, enviado ao procurador-geral Augusto Aras e obtido pelo Correio, os integrantes da Lava-Jato relatam que a subprocuradora manifestou “especial interesse” por uma “solução informática” adquirida pelo MPF em Curitiba que gravava ligações dos procuradores e servidores. O dispositivo, segundo informado pelo documento, teria gravado “sem querer” algumas pessoas. Isso porque alguns servidores teriam saído da força-tarefa e deixado o terminal de gravação ligado.

Eles citam três casos em que as gravações continuaram sendo feitas sem o conhecimento dos servidores que utilizavam três terminais diferentes. Conforme o ofício, o “lapso eventualmente ocorreu”, mas não chegou ao conhecimento dos procuradores da força-tarefa. “E não se tem notícia de que eventuais gravações tenham sido acessadas por procuradores ou servidores”, pontuou.

Os procuradores justificaram a compra do equipamento no necessidade de proteção dos membros e servidores da força-tarefa, com conhecimento da administração superior. De acordo com os procuradores, entre 2015 e 2016, a força-tarefa de procuradores recebeu diversas ameaças por telefone e correspondências.

Entenda o caso

Colaboradora próxima do procurador-geral da República, Augusto Aras, a subprocuradora-geral da República, Lindora Maria Araújo, foi ao Ministério Público Federal (MPF) em Curitiba em 24 e 25 de junho, para se reunir com a força-tarefa da Lava-Jato. Segundo procuradores, ela ligou no dia anterior dizendo que iria à sede e pedindo uma reunião com o coordenador da operação, Deltan Dallagnol.

Em ofício assinado por 14 procuradores, incluindo Dallagnol, e enviado a Aras no dia 25, eles afirmam que, na ocasião, Lindora Araújo buscou acesso a procedimentos e bases de dados da força-tarefa “sem prestar informações sobre a existência de um procedimento instaurado ou escopo definido”.

O motivo da reunião, conforme informado por Lindora Araújo aos procuradores, seria examinar o acervo da força tarefa e executar um trabalho na área da tecnologia de informação.

A fim de conferir com a Corregedoria os pedidos da procuradora, os integrantes da força-tarefa entraram em contato com a corregedora-geral, Elizeta Maria de Paiva Ramos, no dia 24. Os procuradores foram informados de que não havia procedimento ou ato no âmbito da corregedoria que embasasse o pedido de acesso da subprocuradora.

No dia 26, a força-tarefa apresentou reclamação na Corregedoria da PGR sobre os fatos.

No mesmo dia, a PGR informou, em nota, que o objetivo de reunião de trabalho foi obter informações sobre o acervo da força-tarefa. A PGR alegou, ainda, que a reunião foi agendada com um mês de antecedência, apresentando assim uma versão diferente da narrativa feita pela força-tarefa.

Ainda na sexta-feira, dia 26, três integrantes da força-tarefa em Brasília pediram demissão.

No último domingo, a PGR divulgou nova nota dizendo que as investigações não seriam prejudicadas pela saída dos integrantes. O órgão afirmou ainda afirmou que a Lava-Jato “não é um órgão autônomo” e mencionou também em risco de “aparelhamento”;

Ontem, a Corregedoria-Geral instaurou sindicância para apurar o fato. O mesmo procedimento também irá apurar se houve ilegalidade no uso de um dispositivo de gravação de chamadas telefônicas recebidas por integrantes da equipe da força-tarefa, incluindo membros e servidores, segundo a PGR.

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Moro dispara contra Brasília

Ingrid Soares

Augusto Fernandes

30/06/2020

 

 

Consagrado pela atuação como juiz da Lava Jato, Sergio Moro não escondeu a insatisfação com o gesto da Procuradoria-Geral da República em relação à força-tarefa. Moro contestou o governo federal pela falta de uma agenda propositiva em meio à pandemia do novo coronavírus, especialmente no que diz respeito ao combate à corrupção, algo que ele tem dito frequentemente desde que pediu demissão no fim de abril. “Aparentemente, vivemos uma fase anti-lava jato e contra o que ela representa. Não seria melhor o país focar em agendas anticovid, antidesemprego e anticorrupção?”, ponderou o ex-ministro, ontem. No sábado, ele já havia reclamado: “Aparentemente, pretende-se investigar a Operação Lava Jato em Curitiba. Não há nada para esconder nela, embora essa intenção cause estranheza. Registro minha solidariedade aos Procuradores da República competentes que deixaram seus postos em Brasília”.

A reclamação de Moro pode ser vista sob uma ótica eleitoral. O desgaste na imagem do juiz da Lava-Jato interessa a Bolsonaro porque o chefe do Planalto sabe do potencial do ex-ministro para as eleições de 2022, mesmo que o ex-magistrado não tenha sinalizado com a possibilidade de concorrer à Presidência da República. Levantamento feito pela Quaest Consultoria e Pesquisa entre os dias 14 e 17 deste mês, e divulgado pela revista Veja, constatou que Moro tem 19% das intenções de voto dos brasileiros, apenas três pontos percentuais a menos que Bolsonaro, que lidera o ranking com 22%.

Para Cristiano Noronha, cientista político da Arko Advice, é certo que haverá mais embates entre Bolsonaro e Moro. “Já vimos isso com Witzel, Huck, Doria e, agora, Moro, que por mais que negue, passa a ser uma alternativa de candidatura. Moro saiu atirando no governo e dizendo que o presidente tentou usar a PF para proteger familiares. Isso deixou a relação desgastada. Vamos assistir a esses confrontos até 2022”, disse.

Frase

"Aparentemente, vivemos uma fase anti-lava jato e contra o que ela representa. Não seria melhor o país focar em agendas anticovid, antidesemprego e anticorrupção?”

Sergio Moro, ex-ministro da Justiça