Título: Os herdeiros do PT
Autor: Lyra, Paulo de Tarso
Fonte: Correio Braziliense, 25/12/2012, Política, p. 2/3

Famílias de crianças de 10 anos revelam o que mudou na vida durante a década petista à frente do Planalto

Izabele de Fátima Marques Ribeiro tem um sorriso fácil, mas tímido. Apesar da ansiedade que a tomava na véspera da entrevista ao Correio, demorou a se soltar na conversa, falando baixo, mais para sussurro. Fará 10 anos em 2 de abril de 2013 e sonha em ser veterinária. Gabriel Gonçalves de Souza Lyra, por outro lado, tem uma veia dramática e uma verve de comédia explícita, e não se acanha em atirar-se ao solo, de joelhos, para expor os desejos secretos para a amada — ou amadas, que incluem as amigas mais velhas de sua irmã mais velha, Bruna — ou a declamar versos soltos para comemorar o início das férias de fim de ano. Fez 10 anos em 2 de setembro. Quer ser cientista ou ator.

Quando Gabriel nasceu, em setembro de 2002, Luiz Inácio Lula da Silva já tinha divulgado a Carta ao Povo Brasileiro para acalmar os mercados, tentando diminuir o pavor que ele provocava nos ricos brasileiros. As pesquisas de intenção de votos mostravam que os cristãos novos no capitalismo estavam muito próximos de atingir os objetivos deles: levar, após a quarta tentativa, o primeiro torneiro mecânico a se sentar na cadeira de presidente.

Izabele, por sua vez, veio ao mundo, em abril de 2003, e Lula completava 100 dias de poder. Naquele mês, o PT do poder dobrou pela primeira vez os radicais do partido e aprovou a desregulamentação do setor financeiro. Para desespero dos sindicalistas, preparava a reforma da Previdência que taxaria aposentados e pensionistas em 11%, dando ensejo à criação do PSol. E José Dirceu ainda era um superministro e, não um réu condenado a 10 anos e 10 meses de prisão por comandar o mensalão.

Em 1º de janeiro de 2013, o PT, agora com Dilma Rousseff na Presidência, completa uma década comandando o país. Com decisões que influenciam na vida de todos os brasileiros, como Gabriel e Izabele, além dos pais, tios e avôs desses pequenos brasileirinhos pegos como exemplo pelo Correio para sintetizar estes 10 anos de erros e acertos.

Izabele e Gabriel, além das características pessoais distintas, vivem também realidades diversas. Apaixonada por português e fã de pique-pega, a menina é aluna da Escola Classe 1 de Planaltina e rezava, no dia em que a entrevista foi feita, na última segunda-feira, para passar de ano e cursar o 5ª ano. Não deu certo, ficou em ciências e geografia. Mora com a mãe, Rosilene Imaculada Ribeiro, 47 anos e a avó, Camila Ganda Ribeiro, de 78 anos, em uma casa simples, de esquina, em uma das mais antigas cidades do Distrito Federal.

Todas vivem sustentadas pela avó, aposentada há 18 anos como professora da rede pública. Ela recebe um salário mínimo de aposentadoria e complementa a renda com um aluguel de R$ 300 de outra casinha que aluga, na mesma rua. A vida não é fácil, sobretudo pela saúde frágil de dona Camila. Ela sofre de embolia pulmonar crônica e um coração inchado, e conta com a ajuda de um sobrinho, José Ganda Júnior. "Eu trabalhava como cozinheira, mas tive que largar tudo para cuidar de minha mãe", disse Rosilene, a Rose, ao Correio.

Eventualmente, a família recebe a visita do tio, Rosenísio Alves Ribeiro, 45 anos. Aposentado por invalidez por ser soropositivo, ele recebeu um auxílio do governo e morava de aluguel em duas cidades: Planaltina e Anápolis (GO). Desembolsava entre R$ 350 e R$ 400 por mês. Há dois anos, foi contemplado com uma casa do Programa Minha Casa, Minha Vida. Pagará R$ 50 por mês por mais oito anos. "Realizei o sonho da casa para dar para os meus filhos — de 6 e 8 anos. O que sobra, compro comidas, sapatos e roupas melhores para eles", afirmou Rosenísio.

Renda em alta Gabriel vive com os pais, o engenheiro civil André de Paula Lyra, 47 anos e a psicóloga Sheyla Gonçalves Lyra, 45 anos, e com a irmã Bruna Lyra, de 14 anos, em um bom apartamento no Sudoeste. Já está de férias, o que lhe dará mais tempo para jogar videogame — Super Mário Bros é seu grande vício — e ouvir Renato Russo, por influência dos pais. Vai lamentar a mudança do amigo Maicon para Sobradinho e brincar com Giovana, de 9 anos, colega de prédio.

André é carioca, já havia morado na capital federal na década de 1990, mas retornou à cidade em 2004, para trabalhar na construção da terceira pista do Aeroporto Internacional de Brasília. Lembra-se claramente de Lula cumprimentando pessoalmente os operários, chamando-os para uma foto e elogiando o faxineiro Francisco Basílio Cavalcante, que encontrou uma mala com US$ 10 mil e devolveu-a à Infraero. Hoje, trabalha em uma empresa responsável pela construção do primeiro hospital particular que será instalado em Águas Claras. Sheyla é psicóloga e tem uma clínica credenciada ao Detran destinada à renovação de carteiras de motoristas.

André vê sua profissão voltar a ser valorizada, devido ao imenso canteiro de obras em que o país se transformou por causa da Copa de 2014 e das Olimpíadas de 2016. Sheyla também não tem do que reclamar. "Era classe média baixa no Rio, morava em Belford Roxo. Hoje, temos um bom padrão de vida em Brasília", completou.