O globo, n. 31719, 10/06/2020. País, p. 4

 

Investigação cruzada

Carolina Brígido

Talento Aguirre

10/06/2020

 

 

MP Eleitoral pede envio de provas de inquérito de fake news ao TSE

 A Procuradoria-Geral Eleitoral se manifestou de forma favorável ao compartilhamento de provas do inquérito que investiga a disseminação de notícias falsas e ataques a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) com um processo de cassação da chapa de Jair Bolsonaro e Hamilton Mourão no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O documento é assinado pelo vice-procurador-geral eleitoral, Renato Brill de Góes, indicado pelo chefe do Ministério Público, Augusto Aras, para representar a instituição no TSE. O inquérito do STF foi aberto em março do ano passado. Há duas semanas, o relator, ministro Alexandre de Moraes, determinou buscas e apreensões em endereços  ligados a apoiadores de Bolsonaro. O episódio aumentou ainda mais as críticas do governo ao Supremo. O STF vai julgar hoje um pedido para que o inquérito seja arquivado, mas a tendência na Corte, como revelou o GLOBO, é pela manutenção das investigações. A ação no TSE, por sua vez, foi aberta a pedido da coligação encabeçada pelo Fr, que teve Fernando Haddad como candidato em 2018. O processo investiga se a chapa vitoriosa para a Presidência da República se beneficiou da contratação de empresas de disparos de mensagens em massa. O caso veio à tona a partir de reportagem do jornal "Folha de S.Paulo" de dezembro de 2018, que denunciou "irregularidades na contratação do serviço de disparos em massa de mensagens de cunho eleitoral, pelo aplicativo de mensagens instantâneas WhatsApp". Segundo uma testemunha, uma rede de empresas recorreu ao uso fraudulento de nome e CPF de idosos para registrar chips de celular e garantir o disparo de lotes de mensagens em benefício de políticos.

De acordo com o processo, duas dessas agências foram subcontratadas pela AM4, que foi a maior fornecedora da campanha de Bolsonaro. Segundo a prestação de contas do hoje presidente ao TSE, foram pagos R$ 650 mil à empresa. O PT pediu compartilhamento das provas do inquérito do Supremo porque, ao longo das investigações, foi identificado o "gabinete do ódio", um grupo dedicado a disseminar notícias falsas e ataques ofensivos a pessoas comuns, autoridades e instituições. Segundo depoimento prestado por um deputado federal cujo nome é mantido o em sigilo, o grupo teria, entre seus principais integrantes, assessores especiais da Presidência da República. Ainda segundo o inquérito do STF, há um grupo de empresários responsáveis pelo financiamento dessa rede de propagação de mensagens falsas ou agressivas. Entre os suspeitos estão dono das lojas Havan, Luciano Hang. Entre as provas a serem compartilhadas, estão os objetos apreendidos há duas semanas nas buscas e apreensões —como celulares, computadores e outros dispositivos eletrônicos. O vice-procurador-geral eleitoral citou o envolvimento do empresário nos dois casos na sua argumentação sobre a necessidade de compartilhamento. Uma das diligências do inquérito do Supremo foi a quebra do sigilo fiscal e bancário do empresário referente ao período de julho de 2018 a abril de 2020, que compreende a campanha eleitoral de 2018.

"Nessa toada, as diligências determinadas no Inquérito n° 4781/DF podem trazer luz ao esclarecimento dos fatos apontados na inicial, na medida em que poderão vir a demonstrar a origem do financiamento das práticas imputa-das à campanha dos representados na inicial, observa o procurador. Renato Brill de Góes afirma que "há um nítido lia-me entre os fatos, ainda que o conteúdo das mensagens veiculadas possa ser diverso". Em manifestação ao TSE, a defesa de Bolsonaro foi contra o compartilhamento de provas e argumentou que o inquérito do STF trata da divulgação de notícias falsas e ofensivas aos ministros da Corte—e, portanto, não teriam nada a acrescentar no processo de cassação de mandato em andamento. 

O Ministério Público, por sua vez, defende a necessidade de compartilhamento e ressalta que, caso isso ocorra, será obrigatório manter as informações sob sigilo Caberá ao relator da ação no TSE, ministro Og Fernandes, decidir se auto-riza ou não o uso das provas. O relator já havia declarado encerrada a fase de produção de provas da ação do TSE e tinha determinado apresentação de alegações finais da defesa e da acusação. No entanto, diante de novas revelações no inquérito do STF, e a partir de pontos em comum entre as duas investigações, o PT pediu reabertura da fase probatória e o relator concordou. Agora, ele vai decidir sobre o compartilhamento em si. 

MORAES PEDE VISTA

O TSE retomou ontem o julga-mento de duas ações ajuizadas pelos então candidatos Guilherme Boulos (PSOL) e Ma-rina Silva (Rede) que pedem a cassação da chapa de Bolsonaro, também relatadas por Og Fernandes e que tiveram início em novembro do ano passado. Na ocasião, o relator votou contra o pedido de cassação por falta de provas. A acusação cita um ataque hacker contra um grupo de Facebook — "Mulheres unidas contra Bolsonaro" — com o objetivo de beneficiar Bolsonaro e Mourão. 

O ministro Edson Fachin abriu a sessão com um voto favorável à reabertura da fase de provas dos processos. Os autores das ações tinham pedido a realização de uma perícia, mas o relator negou. Fachin afirmou que, sem a perícia, não é possível apontar os culpados. Concordaram com ele os ministros Tarcísio Vieira e Carlos Venoso Filho. O ministro Luís Felipe Salomão divergiu e negou a produção de provas. Alexandre de Moraes pediu vista para analisar o caso.